Cerca de 300 pessoas se reuniram na manhã desta quarta-feira (1º) para protestar contra a mudança de nome de Che Guevara para Irmã Dulce em um assentamento rural da reforma agrária, de responsabilidade do governo do Estado de São Paulo, em Mirante do Paranapanema (SP).
A Portaria n° 25/2024, da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que determinou a mudança do assentamento, foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 26 de março. A partir da publicação, o "Projeto de Assentamento Che Guevara" passou a se chamar "Projeto de Assentamento Irmã Dulce".
Conforme dirigente estadual da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), Tedd Jones Leal, a alteração foi proposta pelo governador Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos). Ele considera a modificação um desrespeito aos moradores do assentamento, fundado há 30 anos, no extremo oeste do Estado de São Paulo, uma região conhecida como Pontal do Paranapanema.
A FNL foi o movimento social de trabalhadores rurais sem-terra que encabeçou o protesto.
“A proposta dele [Tarcísio] é que chame Irmã Dulce. Nada contra isso, é um nome precioso até, com um histórico de luta, de assistência e de tudo que a Irmã Dulce foi na vida dela. Mas, na real, é você mudar a história. É uma falta de respeito com os trabalhadores, uma falta de respeito com o governador que fez o assentamento, o saudoso Mário Covas [1930-2001]”, afirmou Leal ao g1.
O ato de protesto reuniu moradores do assentamento, trabalhadores rurais e também integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), além da FNL.
Durante a ação, que começou às 10h, os manifestantes celebraram o Dia do Trabalhador, pintaram o reservatório de água do local, bem como a sigla do MST na estrutura metálica. Além disso, eles pretendem reformar o letreiro que leva o nome antigo do assentamento.
“O nome atual, na verdade, a gente nunca deixou de chamar de Che Guevara. Ele pode pintar, documentar, fazer o que for , mas para o cidadão, para o morador, para um assentado, nunca vai deixar de ser Che Guevara”, relatou o dirigente da FNL.
Conforme o documento publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, a mudança na nomenclatura do assentamento rural de trabalhadores sem-terra leva em consideração o “notório conhecimento” de que Maria Rita Sousa Brito Lopes Pontes (1914-1992), conhecida como Irmã Dulce, “foi uma mulher que dedicou sua vida a obras de caridade, trabalhos sociais e assistência aos mais necessitados, sendo assim uma figura que tanto contribuiu com o país e foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz”.
Em outubro de 2019, o papa Francisco tornou-a oficialmente a primeira mulher nascida no Brasil declarada santa da Igreja Católica. Assim, ela passou a ser chamada de Santa Dulce dos Pobres.
O médico argentino Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), o Che Guevara, foi um revolucionário marxista que ocupou papel central no movimento armado que derrubou o ditador Fulgencio Batista (1901-1973) e tomou o poder em Cuba em 1959.
Na opinião do dirigente da FNL, a figura de Irmã Dulce é considerada importante para a sociedade e seu nome deveria ser levado em consideração em assentamentos futuros, visto que o nome Che Guevara foi escolhido em 1994, durante uma assembleia entre os assentados, o Itesp e representantes do governo estadual.
“Eu acho louvável que ele [Tarcísio] tenha um assentamento com o nome de Irmã Dulce, que promova o assentamento. Nós temos aí quatro mil famílias acampadas e aguardando ser assentadas. Então, ele pode fazer uns 10 assentamentos com nome de Irmã Dulce, mas esse aqui é uma coisa que não é dele. Aqui é um assentamento histórico, que foi feito nos anos 90”, enfatizou.
Segundo Leal, atualmente o assentamento possui 48 famílias, que residem em sítios, e formam uma população de aproximadamente 200 moradores.
Posicionamento do governo estadual
Em nota ao g1, o governo do Estado de São Paulo informou que o Instituto de Terras de São Paulo, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, decidiu pela alteração do nome do assentamento como uma homenagem à figura de Irmã Dulce, "uma brasileira notável que se dedicou a obras de caridade, trabalhos sociais e assistência aos mais necessitados".
"Reconhecer o legado de Irmã Dulce é uma forma de valorizar suas contribuições para o Brasil e de celebrar sua relevância como uma das grandes personalidades comprometidas com a construção de um mundo mais justo e inclusivo, inclusive com indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 1988", concluiu o informativo do governo paulista.