Sem verba extra motivada pela Covid, teto de gastos pode impor perda de R$ 25 bi à Saúde em 2022

27/09/2021 06h14 Com fim do orçamento extraordinário da pandemia, despesa em saúde terá de voltar a obedecer regra do teto de gastos. Governo diz que ainda pode ampliar despesa. Analistas duvidam.
Por G1, Nacional
Sem verba extra motivada pela Covid, teto de gastos pode impor perda de R$ 25 bi à Saúde em 2022 .

O fim — em dezembro deste ano — do orçamento extraordinário criado pelo governo em razão da pandemia de Covid-19 poderá levar a uma redução de cerca de R$ 25 bilhões da verba destinada à saúde pública no ano que vem.

Isso porque as despesas em saúde terão de voltar a obedecer o teto de gastos — que limita o crescimento das despesas à variação da inflação do ano anterior.

Essa variação, de acordo com a lei do teto, é a da inflação em 12 meses até junho do ano anterior. A inflação nesse período acumulou 8,35%. Com isso, o valor mínimo a ser aplicado em saúde no ano que vem é de R$ 134,1 bilhões.

A proposta de orçamento para o próximo ano, enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso Nacional em agosto, prevê R$ 134,4 bilhões para despesas com saúde em 2022 — pouco acima, portanto, do mínimo estabelecido pela lei do teto.

Neste ano de 2021, a despesa total com saúde tende a superar esse valor, em razão dos gastos extras motivados pela Covid, mas o Tesouro Nacional informou que o número final depende de informações a serem enviadas pelo Ministério da Saúde.

Perda

A norma anterior à regra do teto de gastos, que começou a vigorar em 2017, determinava que o governo deveria aplicar 15% da receita corrente líquida em ações de saúde no ano seguinte — o que implicaria, para 2022, uma despesa mínima de R$ 159,3 bilhões por esse critério.

Desse modo, a regra do teto de gastos está impondo uma perda de R$ 24,9 bilhões para a área de saúde em 2022 (R$ 159,3 bilhões pela regra anterior ao teto menos R$ 134,4 bilhões previstos para o ano que vem com base no teto).

GASTOS COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE

(*) em 2020 e 2021, inclui despesas com Covid

 

O que diz o governo

Embora tenha feito a proposta de R$ 134,4 bilhões para a área de Saúde em 2022, patamar pouco acima do gasto mínimo fixado pela regra do teto de gastos, o Ministério da Economia informou que esse valor poderá ser elevado mais adiante.

"É preciso ressaltar que o valor estabelecido para as Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) é mínimo. O governo pode destinar às ASPS um valor superior a esse e tem feito isso todos os anos, antes e depois que a regra do teto de gastos entrou em vigor", informou a pasta.

Entretanto, pela regra do teto de gastos, se o Legislativo quiser aumentar o orçamento da área de saúde, terá de cancelar despesas em outros setores em igual proporção — porque os gastos totais já estão no limite no ano que vem.

O governo também diz que podem ser editados créditos extraordinários para aumentar as despesas em saúde no próximo ano, mas admite que, para isso, é necessário que as despesas sejam "atípicas e imprevisíveis". "Em 2022 pode ocorrer o mesmo, em caso de necessidade", diz o Ministério da Economia.

Por fim, a pasta avalia que a responsabilidade fiscal — caracterizada pelo respeito ao teto de gastos — não exclui o atendimento à população, pois foram destinados mais recursos para isso na pandemia — por meio de ações extraordinárias, fora dos limites impostos.

"Graças ao teto, a relação entre despesas primárias e PIB [Produto Interno Bruto] no ano que vem pode recuar para 17,5% [do PIB], nível inferior aos registrados antes da pandemia" — o governo tem dito que a responsabilidade fiscal contribui para juros mais baixos, maior crescimento econômico e geração de empregos.

Dificuldade para elevar gasto

Analistas avaliam, porém, que será difícil elevar os recursos para gastos em saúde no próximo ano, considerando que o orçamento de 2022, para todas as áreas, já está reduzido e com espaço limitado, devido justamente à regra do teto de gastos e diante da expansão dos precatórios (sentenças judiciais).

Para abrir espaço no orçamento em 2022, o governo corre contra o tempo para aprovar no Congresso alterações nas regras de pagamento dos precatórios ainda neste ano. Na proposta discutida com o Legislativo, o governo busca autorização para mais R$ 50 bilhões em despesas no próximo ano. Parte dos recursos iria para a ampliação do Bolsa Família.

"Embora o Tesouro Nacional tenha alegado que é possível gastar mais do que o mínimo, o teto não permite isso porque as despesas obrigatórias — principalmente as previdenciárias — crescem acima da inflação e comprimem as demais despesas", avaliou Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas.

Ele disse que o teto de gastos é uma medida para reduzir o tamanho do Estado, o que, naturalmente, afetará as áreas de saúde e educação, entre outras.

Para Ribeiro, também não seria adequado usar créditos extraordinários para a saúde em um cenário pós-pandemia porque não estariam presentes as premissas necessárias: urgência e imprevisibilidade, associadas a calamidades públicas.

Getúlio Vargas Moura Júnior, coordenador-adjunto da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), disse que o Sistema Único de Saúde (SUS) continuará pressionado em 2022, mesmo com o fim da pandemia.

Ele observou que o SUS é a única forma de atendimento na área de saúde para sete em cada dez brasileiros.

Moura Júnior lembrou que consultas, procedimentos e cirurgias eletivas, desmarcadas em razão da pandemia, voltarão a gerar demanda para o sistema de saúde, além dos próprios casos de Covid.

"Na contramão de nossa expectativa, a proposta orçamentária traz uma redução para atenção básica, medicamentos, e outros procedimentos que o SUS faria ordinariamente. Esse orçamento limita que isso possa acontecer. Em vez de isso recuperar uma demanda represada pela pandemia, a gente tende a ter um atendimento reduzido em relação ao que tinha antes da pandemia", declarou.

Em artigo, Lenir Santos, especialista em direito sanitário pela USP e doutora em saúde pública pela Unicamp, e Bruno Moretti, mestre em Economia pela UFRJ, avaliaram que, dos R$ 134,47 bilhões destinados no orçamento à saúde em 2022, R$ 8,1 bilhões são emendas parlamentares individuais e de bancada que, segundo eles, não são "aderentes" ao planejamento sanitário necessário.

Para eles, a distribuição das emendas se pauta por “critérios político-parlamentares nem sempre compatíveis com os requisitos técnicos, especialmente a observância do planejamento e plano de saúde”.

“Ou seja, retiradas as emendas parlamentares, o orçamento de saúde estaria aquém do piso da saúde estabelecido pela EC 95 [regra do teto], em um processo de redução de recursos para o SUS”, afirmaram.

Orçamento emergencial

Depois de o governo ter elevado os gastos em saúde em 2020 e 2021, por meio de um orçamento emergencial, ou seja, fora dos limites do teto de gastos, em razão da pandemia, o Ministério da Economia informou que, na proposta de orçamento de 2022, não estão previstos gastos extraordinários para nenhuma área no ano que vem.

Em 2020, com a eclosão da pandemia, o governo gastou R$ 524 bilhões de forma emergencial para conter os efeitos da Covid-19 — a maior parte em auxílio emergencial (R$ 293,1 bilhões). Mas também foram destinados R$ 42,7 bilhões em despesas adicionais do Ministério da Saúde e outras pastas.

Neste ano, o valor dos gastos extraordinários (fora do teto de gastos) caiu para R$ 135,6 bilhões, segundo a última estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional, dos quais R$ 64,9 bilhões em auxílio emergencial e R$ 25,94 bilhões em despesas adicionais do Ministério da Saúde e outras áreas. Os números estão no painel de monitoramento do Tesouro Nacional dos gastos com a Covid-19.

Com o fim da pandemia, o governo não previu recursos extraordinários para os ministérios no orçamento de 2022. Com isso, todos os valores estão dentro do teto de gastos, e a verba destinada ao combate da pandemia recuou para R$ 7,1 bilhões, dos quais R$ 3,9 bilhões se destinam à aquisição de vacinas.

Além da vacinação, estão previstos recursos para assistência de média e alta complexidade e tratamento das sequelas da Covid.

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