Argentina reduz controle de câmbio, e peso despenca; bolsa sobe quase 5%

15/04/2025 11h01 Governo de Javier Milei alterou o sistema de restrição que estava em vigor desde 2019 e adotou o câmbio flutuante. Títulos do Tesouro do país registraram fortes altas nesta segunda-feira, dia em que as mudanças passaram a valer.
Por: g1, Argentina
Argentina reduz controle de câmbio, e peso despenca; bolsa sobe quase 5% Peso argentino e dólar (Foto: Erica Canepa/Bloomberg)

O peso argentino despencou nesta segunda-feira (14), enquanto os mercados de ações e títulos do Tesouro registraram fortes altas. O pregão foi marcado pelo primeiro dia de redução dos controles cambiais, o chamado “cepo”. (entenda mais abaixo)

A flexibilização do cepo, anunciada na última sexta-feira (11) pelo banco central da Argentina, determina o fim da paridade fixa para a moeda argentina e introduz o "câmbio flutuante" — quando o valor da moeda é determinado pela oferta e demanda do mercado.

Com isso, o governo de Javier Milei ensaia o fim do sistema de restrição cambial que estava em vigor desde 2019, limitando a compra de dólares e outras moedas estrangeiras pelos argentinos.

Junto com a redução do controle cambial, foi anunciado que a Argentina fechou um acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo o ministro da Economia, Luis Caputo, o dinheiro permitirá a "recapitalização do BC para ter uma moeda mais saudável e continuar o processo de desinflação".

No primeiro dia útil após os anúncios, a moeda argentina se desvalorizou 11,38% em relação ao dólar. Mas o S&P Merval, índice que mede o desempenho das ações mais líquidas da Argentina, registrou alta de 4,70%.

Entenda abaixo o que se sabe sobre o acordo com o FMI e sobre a nova política cambial do país.

O que mexeu com os mercados argentinos nesta segunda-feira?

A desvalorização do peso argentino e a forte alta no mercado de ações e nos títulos públicos refletem as novas políticas de câmbio anunciadas pelo presidente da Argentina, Javier Milei, na semana passada.

O S&P Merval, índice que mede o desempenho das ações mais líquidas da Argentina, avançou 4,70%.

As principais empresas argentinas listadas nas bolsas americanas também tiveram forte alta no dia.

Veja o desempenho:

YPF Sociedad Anonima subiu 10,26%

Grupo Financiero Galicia SA ADR subiu 14,05%

Grupo Supervielle SA subiu 18,07%

Banco Macro SA B ADR subiu 15,41%

BBVA Argentina subiu 14,78%

Despegar.com (Decolar) teve leve recuo, de 0,05%

"A suspensão ou o levantamento de medidas como o 'cepo' cria um ambiente melhor para o mercado, sobretudo no médio e no longo prazo", diz André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica.

"Da mesma forma que o mercado entende que é melhor diminuir os gastos do governo e reduzir a presença do Estado na economia, isso vale também para controles cambiais", diz.

Enquanto isso, o peso se desvalorizou. Para cada dólar, passaram a ser necessários 1.196,31 pesos no fechamento desta segunda-feira. O valor representa uma alta de 11,38% em relação à última sexta-feira, quando o controle cambial do país estabelecia a moeda norte-americana a 1.074 pesos.

Segundo Galhardo, essa queda do peso é resultado de uma maior demanda por dólares. "Certamente, a retirada de parte das restrições atendeu a uma demanda reprimida pela moeda norte-americana", explica.

"Isso resultou em um desequilíbrio momentâneo entre oferta e demanda, encarecendo o dólar."

Qual é a nova política cambial da Argentina?

O novo regime de taxa de câmbio da Argentina acaba com o chamado "cepo" — uma série de restrições cambiais impostas pelo governo em 2019 para controlar a compra e venda de dólares.

Na época, o governo implementou a medida para limitar a compra de moeda e evitar a fuga de capitais para estabilizar a economia argentina, em meio a problemas nas contas públicas e alta dos preços.

Agora, a nova política cambial de Milei permitirá que o peso argentino flutue livremente entre 1.000 e 1.400 pesos por dólar — a política anterior era de câmbio fixo. Na última sexta-feira, por exemplo, a moeda estava em torno de 1.074 pesos por dólar.

O governo argentino detalhou que a nova faixa móvel se expandirá em 1% a cada mês, tanto no limite superior quanto no inferior, e o BC poderá comprar e vender dólares se esse intervalo for quebrado.

O BC argentino também explicou que, enquanto a moeda flutuar dentro dos limites estabelecidos, a instituição poderá operar nos mercados secundários por meio de operações de mercado aberto — são operações realizadas para controlar a oferta da moeda e ajudar no controle da política monetária.

De acordo com o FMI, a ideia de restringir o controle de câmbio é fazer com que a estrutura monetária da Argentina evolua para uma "taxa de câmbio totalmente flexível no contexto de um sistema bimonetário" — em que o peso argentino e o dólar coexistem e podem ser usados simultaneamente.

Outro ponto anunciado pelo governo argentino foi o fim do chamado "grampo de dólar", que restringia o acesso à moeda estrangeira. A partir deste ano, as empresas poderão enviar lucros para fora do país, o que pode liberar mais investimentos de multinacionais.

Por que Milei implementou uma nova política cambial?

Segundo o ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, a antiga política cambial "limitava o funcionamento normal da economia".

A ideia, segundo o governo, é que as novas medidas, somadas aos recursos cedidos pelo FMI, possam tornar a moeda mais saudável, reduzir a inflação e permitir cortes de impostos.

O que essa nova política pode fazer pela Argentina?

Adriana Dupita, economista de mercados emergentes da Bloomberg Economics, destaca que a mudança no controle do câmbio pode aumentar o fluxo de exportações do país, beneficiando a balança comercial.

“A taxa de câmbio até a última sexta era tão barata que estimulava demais as importações e desencorajava as exportações. Assim, o saldo comercial do país vinha caindo e havia risco de caminhar para o negativo em breve”, afirma.

Ao mesmo tempo, os investidores estrangeiros não estavam enviando dólares para a Argentina, já que não teriam como retirar — devido às regras do cepo.

"Assim, a mudança do regime cambial ajuda tanto a evitar uma sangria de dólares pelo lado da balança comercial como cria a possibilidade de haver entrada de dólares pela via financeira."

Qual o acordo feito entre a Argentina e o FMI?

A Argentina fechou um acordo de US$ 20 bilhões (aproximadamente R$ 116,9 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com prazo de 48 meses, na última sexta-feira (11).

Segundo o governo argentino, o país deve receber US$ 28 bilhões (R$ 163,6 bilhões) somente em 2025, incluindo:

US$ 15 bilhões (R$ 87,6 bilhões) do FMI;

US$ 6,1 bilhões (R$ 35,6 bilhões) de outros credores multinacionais;

US$ 2 bilhões (R$ 11,7 bilhões) de bancos globais; e

US$ 5 bilhões (R$ 29,2 bilhões) da extensão de um swap cambial com a China — esse é um acordo feito entre os bancos centrais dos dois países que permite que as instituições troquem moedas, o que ajuda a fortalecer suas respectivas reservas internacionais.

A ideia é que o FMI desembolse US$ 12 bilhões nesta semana, seguido de uma revisão do programa em junho que deverá liberar mais US$ 2 bilhões, e uma nova revisão no final do ano com mais US$ 1 bilhão.

"Esses recursos líquidos serão usados para fortalecer o balanço patrimonial (do banco central) por meio da recompra de títulos intransferíveis pelo Ministério da Economia", informou o banco central da Argentina na última semana.

O acordo com o FMI estipula que a Argentina acumule reservas internacionais líquidas no valor de US$ 4 bilhões até o final do ano, em comparação com o nível registrado em 31 de dezembro de 2024. Essa meta acelera para um aumento de US$ 8 bilhões no próximo ano.

Um dos principais focos do governo de Milei é a acumulação de reservas. A ideia é aumentar a confiança na economia argentina para atrair investimentos e acelerar o crescimento.

Embora tenha tido algum sucesso ao longo do mandato, esse cenário se reverteu nas últimas semanas, em meio à crescente pressão sobre o peso. Com isso, as reservas líquidas caíram para US$ 7 bilhões negativos, segundo uma estimativa do FMI.

O acordo com o FMI prevê também um superávit fiscal primário (receitas maiores que despesas) de 1,3% do PIB neste ano. Esse crescimento ainda seria um pouco abaixo do ano passado, mas Caputo afirma que o governo terá uma meta mais alta que a proposta, em torno de 1,6%.

A meta fiscal geral — incluindo o pagamento da dívida — visa a um equilíbrio fiscal este ano. O superávit primário e geral começaria a aumentar no próximo ano e assim por diante.

A Argentina pode voltar para o mercado de capitais?

Segundo o FMI, se houver uma "implementação decisiva" do programa e um rápido acúmulo de reservas, isso poderá reduzir os custos de empréstimos para a Argentina e fazer com que ela volte a acessar os mercados de capitais internacionais até o início de 2026.

Os desafios do país, com as reservas no vermelho, ainda não terminaram. Embora a inflação tenha diminuído drasticamente desde que Milei assumiu o cargo em dezembro de 2023, os preços elevados ainda persistem.

"A cobertura das reservas continua muito fraca", disse o FMI. "É necessário mais trabalho para ancorar a inflação e fortalecer de forma duradoura a posição externa do país e a resiliência a um cenário global mais complexo."

Segundo Dupita, da Bloomberg Economics, o empréstimo do FMI e a mudança no regime cambial "são muito bem-vindos" para a Argentina, e podem ajudar o país a entrar novamente no mercado de capital global, do qual está fora praticamente desde 2019.

"Hoje o país tem classificação de risco muito ruim e está fora dos índices de bolsa de mercados emergentes. Isto pode mudar com o tempo, conforme o país for reconstruindo suas reservas internacionais e demonstrar que segue firme no seu ajuste fiscal", completa a economista.

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