As contas das empresas estatais federais brasileiras devem fechar 2024 com o maior déficit em 15 anos.
São mais de 100 empresas estatais. Fazem parte da máquina do governo federal e atuam em diversos setores - como infraestrutura, telecomunicações e agropecuária. O governo usa o resultado de algumas dessas empresas para calcular o desempenho das contas públicas do país - mês a mês. E, em 2024, as contas devem apresentar o maior rombo desde 2009.
De janeiro a agosto, o déficit das empresas estatais federais bateu R$ 3,3 bilhões e a previsão do próprio governo é que fechem o ano em R$ 3,7 bilhões no vermelho.
Em 2009, o rombo do ano foi de R$ 3,8 bilhões. Nos anos seguintes, as estatais federais tiveram resultados melhores e, em alguns anos, até positivo. Graças a aportes dos governos. Em 2018, a gestão do então presidente Michel Temer injetou R$ 5 bilhões no caixa dessas empresas, fazendo um superávit. Em 2019, o governo Jair Bolsonaro injetou R$ 10 bilhões, e o resultado ficou positivo em R$ 14 bilhões. Em 2023, o resultado voltou a ser negativo, em R$ 700 milhões.
Em 2024, os déficits maiores estão na:
Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron);
Empresa de Correios e Telégrafos;
Emgea, de planejamento financeiro;
Infraero;
Dataprev - responsável pela tecnologia da informação do país, como processamento de folha de pagamento e benefícios do INSS.
O resultado não inclui Petrobras e Eletrobras, porque são empresas que têm características específicas, como regras de governança que se aproximam de empresas privadas de capital aberto. E nem inclui os bancos públicos.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias permite que o governo abata os gastos com investimentos previstos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
O Ministério da Gestão e da Inovação afirmou que, em boa parte das empresas estatais, o déficit que agora está sendo registrado é explicado pelo aumento em investimentos, como máquinas e tecnologia; que esses investimentos estão sendo bancados por recursos que já estão no caixa das empresas e não demandarão nenhum aporte do Tesouro; que em anos anteriores, especialmente entre 2018 e 2021, o Tesouro já repassou recursos para as estatais para que elas realizassem investimentos e que como eles não foram feitos, se transformaram em superávits elevados naqueles anos e ficaram guardados no caixa das empresas.
O governo também citou que, em 2018 e 2019, foram feitos aportes que somam R$ 10 bilhões, que geraram um superávit. E que a Emgepron recebeu investimentos em 2018 e 2019 para a construção de quatro fragatas, o que gerou superávit naqueles anos. Ainda segundo o governo, em 2024, a empresa já investiu R$ 1 bilhão desses recursos, que ficam registrados como déficit.
As projeções para os próximos anos também indicam resultados ruins. Especialistas reforçam que o descontrole nas contas das estatais compromete a credibilidade do país e o esforço em sanar as despesas públicas no momento em que o governo fala em urgência para revisar gastos.
O economista Gabriel Barros ressaltou que há preocupação sobre a sustentabilidade da política do governo federal de repassar recursos para as estatais, criando contas cada vez mais deficitárias.
"O mercado está bastante preocupado e atento a esses estímulos por fora do orçamento, vamos colocar assim, que o governo está fazendo. Esses estímulos também incluem as estatais federais. Então, essa reversão de superávit para déficit, nesse contexto em que o governo usa as estatais como vetor de crescimento da economia, preocupa bastante, porque amplia a percepção de risco e piora, de fato, a trajetória das contas públicas", diz Gabriel Leal Barros, economista-chefe da Ryo Asset.
O economista Claudio Frischtak lembrou que o déficit nessas contas é pago por todos nós.
"Basicamente, esse déficit alguém tem que pagar, e quem vai pagar somos nós, evidentemente. Porque o governo não produz dinheiro, por assim dizer. Então, isso tem uma implicação adversa sobre uma situação fiscal que já é muito frágil. Os resultados atuam no sentido de fragilizar ainda mais o arcabouço fiscal do governo. E qual é a consequência? Juros mais elevados, câmbio mais estressado, risco-país, infelizmente um pouco pior”, afirma Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria.
A Emgepron reiterou que o déficit não corresponde a prejuízo contábil e, em grande parte, representa gastos com a construção de navios para a Marinha. A Emgepron afirma que a capitalização da empresa para a condução de uma política pública de defesa, aprovada pelo Tribunal de Contas da União, explica o déficit.
Os Correios afirmaram que o déficit foi herdado do governo anterior, mas que investiram cerca de R$ 2 bilhões próprios para reconstruir a empresa, adotaram medidas para reduzir despesas e aumentar receitas, e não vão precisar de aporte do governo.
A EMGEA declarou que é superavitária e tem disponibilidade para quitar todas as suas despesas.
A Infraero declarou que não vai precisar de recursos do governo para cobrir o déficit e que ele é decorrente do uso de recursos próprios, disponíveis em caixa, para a transferência dos aeroportos da sétima rodada de concessões.
A Dataprev declarou que não apresenta prejuízo, que continua tendo resultados positivos significativos e que mantém níveis altos de liquidez.