Com cinco anos de carreira, a analista de logÃstica LaÃse Pereira, 26, recebe menos que o marido, o estatÃstico Rafael Ribeiro dos Santos, 29, ganhava com um ano de formado.
"Vejo a batalha dela e não me conformo. Sinto na pele a vantagem de ser homem branco em relação a ela, que, além de mulher, é negra", diz ele.
"Sei que a formação importa. O Rafael estudou na USP, sei que a área também influencia. Mas acho que nada justifica a discrepância tão grande", afirma ela, que fez administração na Unip e pós-graduação no Senac.
Ciente do impacto da desigualdade sobre o orçamento do casal - que ainda não tem filhos -, o estatÃstico começou a refletir sobre esse custo para a sociedade e resolveu pesquisar o tema durante o mestrado em economia no Insper.
Os resultados da tese recém-concluÃda confirmaram suas suspeitas: a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho reduz o crescimento econômico.
Segundo o estudo, entre 2007 e 2014, cada 10% de aumento na diferença entre salários - que tenha relação com o preconceito de gênero - reduziu em cerca de 1,5% a expansão do PIB per capita dos municÃpios brasileiros.
Entre as capitais do paÃs, Curitiba tinha a maior diferença em 2007. O sexo do trabalhador explicava 28% do hiato de remuneração entre homens e mulheres.
São Paulo exibia o terceiro pior indicador em 2007: 23%. Para ter uma ideia do efeito econômico disso, se a capital paulista tivesse, naquele ano, o mesmo indicador que Florianópolis, 15,4%, a renda média dos paulistanos subiria de R$ 52.797 para R$ 53.258 em 2014.
"É uma descoberta importante. Mostra que a discriminação contra a mulher não é apenas questão de injustiça social. Também gera ineficiência econômica", diz a pesquisadora Regina Madalozzo, que orientou a tese de Santos.
As causas e consequências da inserção desigual de homens e mulheres no mercado de trabalho têm sido tema recorrente de estudos internacionais recentes que chegam a conclusões semelhantes às de Ribeiro.
Embora a diferença salarial por sexo tenha diminuÃdo em alguns paÃses, incluindo o Brasil, ela persiste desde a estreia na vida profissional e se amplia à medida que as pessoas envelhecem.
Medir o tamanho da discriminação não é trivial - e o tema à s vezes gera polêmica -, mas o avanço de técnicas estatÃsticas tem facilitado as estimativas.
CÃLCULO
Para calcular a discriminação por gênero em três mil municÃpios brasileiros, Santos utilizou a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que reúne dados do mercado formal de trabalho.
O estatÃstico chegou a uma estimativa do tamanho do preconceito depois de isolar o impacto de outros fatores que, comprovadamente, influenciam os salários. Ou seja, ele identificou o que restou de diferença entre as remunerações de homens e mulheres depois de descontados os efeitos como escolaridade, ocupação, tempo de empresa, raça e região.
Assim se uma mulher ganha menos do que um homem por ter um diploma de ensino superior menos valorizado do que o dele, esse efeito não distorceria os resultados encontrados.
Mas há outras questões - como interrupções na carreira causadas por pausas relacionadas à maternidade e qualidade da formação - que não foram quantificadas.
Alguns estudos recentes que se dedicam a estimar o impacto desses fatores sobre a desigualdade salarial concluem que, mesmo depois de descontá-lo, ainda sobra uma diferença substancial que provavelmente é causada por discriminação ou o que algumas empresas têm chamado recentemente de "vieses inconscientes".
Após mensurar o efeito de sua estimativa para a discriminação sobre os salários em 2007, Santos analisou a relação dessa variável com os movimentos do PIB per capita (valor da riqueza gerada no paÃs dividida pelos habitantes) até 2014. Nessa etapa, também foi descontado o impacto de outras fatores que influenciam o crescimento econômico, como o peso de diferentes setores no PIB ou mudanças no nÃvel médio de escolaridade da mão de obra.
Concluiu que a parcela do crescimento do PIB per capita explicada pela desigualdade de gênero é relevante.
Os resultados corroboram ainda outros estudos - como um feito por Regina Madalozzo, orientadora de Santos - que indicam que conforme o nÃvel de escolaridade dos profissionais aumenta, a desigualdade salarial entre eles também cresce. Talvez isso ajude a explicar o nÃvel alto de discriminação em municÃpios mais desenvolvidos.
Esse fenômeno tem sido chamado de "efeito do teto de vidro" e sugere a existência de uma barreira invisÃvel que impede a mulher de avançar a partir de certos nÃveis hierárquicos. Um número crescente de empresas tem reconhecido esse problema.
Por outro lado, em municÃpios de renda baixa, a menor diferença entre remunerações por sexo pode ter mais ligação com a prevalência de ocupações que pagam apenas o salário mÃnimo do que com menor preconceito contra a mulher.