Júri popular em Presidente Prudente condena a 16 anos de prisão acusado de assassinar indígena em Mato Grosso do Sul

29/11/2023 08h43 Crime ocorreu em dezembro de 2005, no município de Antônio João (MS), e vitimou Dorvalino Rocha, que era integrante da etnia guarani-kaiowá.
Por G1, Presidente Prudente (SP)
Júri popular em Presidente Prudente condena a 16 anos de prisão acusado de assassinar indígena em Mato Grosso do Sul Foto: Paula Sieplin/TV Fronteira

O réu João Carlos Gimenes Brito foi condenado a uma pena de 16 anos de reclusão em júri popular encerrado na tarde desta terça-feira (28), no Fórum da Justiça Estadual, em Presidente Prudente (SP). Ele é acusado de ter assassinado a tiros o indígena Dorvalino Rocha, em 2005, no município de Antônio João (MS).

O júri, que havia sido iniciado na manhã da segunda-feira (27), foi realizado em Presidente Prudente a pedido do Ministério Público Federal (MPF).

O julgamento ocorreu no prédio do Fórum da Justiça Estadual, na Vila Euclides, pois, conforme a Justiça Federal, não havia estrutura adequada no Fórum Federal, que fica no Jardim Petrópolis, para a realização do júri popular.

Indígenas da aldeia Ñande Ru Marangatu, que fica em Antônio João, em Mato Grosso do Sul, viajaram mais de 600 quilômetros para acompanhar o julgamento em Presidente Prudente e na frente do Fórum onde aconteceu o júri popular rezaram na língua guarani.

Em entrevista à TV Fronteira, a viúva do indígena assassinado, Liria Rocha, enfatizou que, embora 18 anos tenham se passado, ainda é esperada a demarcação da terra indígena naquela região de Mato Grosso do Sul, pois o marido “deu sua vida por ela”.

“Eu toquei a família, dando força, dando suporte e mostrando que aquele território tem que ser demarcado, porque o Dorvalino morreu, ele deu a sua vida pela terra e, com a família, eu prossegui na caminhada, querendo a demarcação da minha própria terra como comunidade indígena”, afirmou.

Já o líder indígena Mário Almeida, que também viajou de Mato Grosso do Sul a Presidente Prudente acompanhando os familiares de Dorvalino Rocha, demonstrou o desejo de justiça envolvendo o crime cometido contra o amigo.

“Hoje, eu venho aqui para acompanhar o desfecho do assassinato de Dorvalino. A situação já vem de muito tempo, dura muito, mas nunca se resolveu [...]. Nós, os guarani-kaiowá, também temos direito de lutar até o fim. Nós queremos justiça para resolver esse problema [...]. Ninguém vê justiça no Mato Grosso do Sul. Às vezes pode até ver, mas não é só ver, né”, ressaltou.

Para o representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Matias Benno Tempel, o fato de o julgamento ter sido desaforado para o Estado de São Paulo aponta a situação orgânica do agronegócio e também do genocídio contra os povos indígenas em Mato Grosso do Sul.

Segundo ele, “o Estado e o próprio Poder Judiciário ainda tratam o genocídio dos povos indígenas como questões pontuais, mas o número excessivo de assassinatos de vítimas do povo guarani-kaiowá demonstra que é uma questão estrutural”.

“Os kaiowá estão sofrendo, há muitas décadas, com a falta da demarcação de terras, lutam para recuperar seus territórios e são sumariamente assassinados. Como Dorvalino, nós poderíamos citar mais centenas de indígenas que, infelizmente, foram assassinados e até hoje não se encontrou justiça. Com o Dorvalino, a gente espera que seja diferente. É um caso de réu confesso, é um caso brutal, onde a gente tem todas as provas que se precisa”, argumentou.

“A gente veio acompanhar os rezadores, em especial, a família de Dorvalino, que está, aqui, orando, na sua ancestralidade, no seu processo ritual, para que a justiça seja feita e os Ñande Ru Marangatu a conheçam, porque a buscam há muito tempo e, com isso, também, o avanço do processo das suas terras”, concluiu o coordenador do órgão regional sul-mato-grossense que há 45 anos atua em defesa dos direitos dos povos indígenas do Brasil.

Denúncia

Em princípio, a denúncia pelo homicídio foi feita pelo MPF na 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS), em junho de 2006. A arma de fogo supostamente utilizada no crime foi apreendida e periciada e está acautelada pelo Exército Brasileiro.

O processo correu com depoimentos de testemunhas e a acusação foi aceita em novembro de 2013.

Após o recurso da defesa, o julgamento seria realizado em setembro de 2019. Porém, naquele mesmo ano, o Ministério Público Federal solicitou o desaforamento do tribunal, que foi aceito.

Então, o processo foi encaminhado para a 1ª Vara Federal, em Presidente Prudente, no interior do Estado de São Paulo.

Em despacho do dia 18 de setembro, o juiz Cláudio de Paula dos Santos determinou que o réu João Carlos Gimenes Brito fosse submetido a júri popular nesta segunda-feira (27), no salão do Tribunal do Júri do Fórum Estadual da Comarca de Presidente Prudente. O julgamento foi iniciado na manhã da segunda-feira, suspenso no período noturno e retomado nesta terça-feira (28), quando foi finalizado à tarde.

O crime

O indígena da etnia guarani-kaiowá Dorivaldo Rocha foi assassinado em 24 de dezembro de 2005, em Antônio João, município localizado a 318km de Campo Grande (MS). A vítima estava caminhando em uma estrada no interior da Fazenda Fronteira, quando um carro com seguranças particulares da propriedade se aproximaram.

O motorista, João Carlos, atirou duas vezes na direção da vítima, que foi atingida no pé e no peito.

O indígena chegou a ser socorrido e encaminhado para um hospital, mas não resistiu aos ferimentos.

Ao ser questionado sobre o crime, o suspeito contou outra versão para a polícia. Conforme João Carlos, o seu carro havia sido repentinamente cercado por indígenas agressivos, armados com flechas, facas e pedras.

Na ocasião, ele teria atirado no chão para espantar o grupo, atingindo Dorvalino sem querer.

Após o inquérito policial, os investigadores concluíram que João Carlos havia cometido homicídio doloso, ou seja, que teve intenção de matar.

Comente, sugira e participe:

Cadastre seu WhatsApp e receba notícias diariamente pelo celular