De camisa clara a essa hora do dia diligentemente amarfanhada, sem gravata, sem o paletó escuro - que vestirá logo depois apenas durante a entrevista -, de jeans escuros e meias roxas, Fernando Henrique Cardoso, 86, chega para o encontro com o UOL.
O local é o sexto andar de um edifÃcio antigo situado junto do Vale do Anhangabaú, centro histórico de São Paulo, onde mantém a fundação que leva o seu nome. Um imponente "O Pensador", a figura masculina negra de madeira, acocorada, com os cotovelos apoiados sobre os joelhos e as mãos envolvendo a cabeça, sÃmbolo de Angola, recebe os convidados na entrada.
Pouco mais de 1,70 m, magro, os cabelos ainda fartos e grisalhos, levemente roxos, o dente incisivo superior direito parcialmente encobrindo o incisivo lateral, o ex-presidente da República responde andando à saudação sobre a boa forma: "Tem muita gente que não está [bem no Brasil]".
Senta-se à poltrona de madeira clara sempre reservada para ele, no meio da sala ampla e retangular, ponteada aqui e ali por telas e esculturas de arte contemporânea. Atrás, a escrivaninha e o aparador com suas obras completas encadernadas em preto e dourado.
Uma fileira de livros com alguns metros de comprimento, entre eles, "A Arte da PolÃtica" e "Dependência e Desenvolvimento na América Latina", estudo clássico, em parceria com o chileno Enzo Faletto, que o projetou internacionalmente como sociólogo, no fim dos anos 1960.
Por cerca de uma hora e meia, o "presidente do Plano Real", como ganhou fama e projeção embora o governo da época fosse de Itamar Franco, revê a própria história, o seu lugar nela, o seu modo de governar.
Reconhece que a corrupção de agora "chamuscou" o seu partido, o PSDB, e que houve corrupção também no seu governo (1995-2002). Porém, supostamente diferente do seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dela não teria se beneficiado.
"Eu é que não participei. Eu que não sabia."