A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado analisa nesta quarta-feira (13) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de drogas ilícitas em qualquer quantidade.
Na semana passada, esse mesmo tema foi julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda não houve conclusão. Nesse caso, o que está em análise é a possibilidade de de fixar um critério que diferencie o usuário de traficante quanto ao porte (leia mais abaixo)
O g1 reuniu as informações sobre o que está em jogo sobre o tema no Judiciário e no Legislativo.
Nesta reportagem você vai ver:
Por que Supremo e Congresso tratam do mesmo assunto?
O que o Supremo julga?
O que o Congresso discute?
O que já está decidido?
Quais são os possíveis efeitos das decisões?
O que diz a lei atualmente?
Quais as diferenças entre descriminalização, despenalização e legalização?
Comissão do Senado deve votar PEC das drogas na próxima quarta-feira
O STF e o Congresso abordam o mesmo tema nos limites das competências de cada um, definidas pela Constituição.
O Supremo foi provocado a se manifestar a partir de um recurso que chegou à Corte em 2011, que discute se é crime uma pessoa ter consigo uma quantidade de entorpecente destinada ao consumo individual.
O caso envolve a prisão em flagrante de um homem que portava 3 gramas de maconha dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP).
A Defensoria Pública questionou decisão da Justiça de São Paulo, que manteve o homem preso. Entre outros pontos, a defensoria diz que a criminalização do porte individual fere o direito à liberdade e à privacidade.
Esses direitos fundamentais estão previstos na Constituição. Como a matéria envolve a Carta Magna, cabe ao Supremo se pronunciar.
Já no Congresso tramita uma proposta de mudança na Constituição que criminaliza a posse e o porte de drogas em qualquer quantidade. Para passar a valer, ela deve ser aprovada pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados e posteriormente promulgado.
Deputados e senadores também tratam do assunto porque legislar sobre direito penal é competência do Parlamento, assim como votar alterações no texto constitucional.
A partir do caso de São Paulo, o Supremo julga:
se é necessário fixar um critério que diferencie o usuário do traficante, já que a Lei de Drogas, de 2006, não estabelece um requisito para distinguir as duas situações. Até o momento, a maioria dos ministros concluiu que esse critério é necessário, já que sem uma definição a lei pode ser aplicada às pessoas de forma desigual e injusta.
se é crime alguém portar uma quantidade de drogas para consumo próprio. A Lei de Drogas prevê a conduta como um delito, mas não prevê prisão para a prática — são estabelecidas medidas alternativas como advertência, prestação de serviços à comunidade e curso educativo. Nesse ponto, ainda não há maioria. Cinco votos seguem no sentido de que o porte da maconha para uso pessoal não é infração penal.
Ainda não há conclusão do julgamento. Quando isso ocorrer, os ministros vão elaborar uma tese, um resumo de suas conclusões que serve como uma espécie de guia a ser aplicado em processos na Justiça que tratam da mesma questão.
Em paralelo, tramita no Senado Federal uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de drogas ilícitas de qualquer tipo, em qualquer quantidade.
A PEC foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro do ano passado, como resposta à retomada da votação do STF naquela ocasião. O texto foi levado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e, em um novo momento de retomada do caso na Corte, volta à pauta do colegiado nesta quarta-feira (13).
O texto a ser discutido insere no artigo 5º do texto constitucional — principal ao prever os direitos e deveres da sociedade — que "a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
A proposta também prevê que deve ser feita uma "distinção entre o traficante e o usuário, aplicáveis a esse último penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência".
Ao mudar o texto da Constituição, os parlamentares estabelecem uma regra que está em nível superior ao de uma lei. Ou seja, a legislação sobre drogas terá de obedecer ao que está previsto na Carta Magna. Até então, o tema é tratado apenas em leis infraconstitucionais.
Além disso, com a modificação no artigo 5º, na prática, a nova regra ficará no âmbito de proteção das cláusulas pétreas — trechos da Constituição que não podem ser abolidos nem sofrer restrição, nem mesmo por outra mudança via PEC.
Ainda não há uma definição de cenário. O julgamento do STF ainda não foi encerrado e, no Congresso, além da etapa do Senado, a proposta precisa passar por votações na Câmara e ser promulgada para passar a valer.
O julgamento no STF ainda não tem data para ser retomado, porque está correndo o prazo de 90 dias do pedido vista (mais tempo de análise) do ministro Dias Toffoli.
Já no Congresso, a CCJ tem o tema na pauta nesta quarta-feira (13). Mas a PEC precisa também passar por dois turnos de votação no plenário do Senado. Quando seguir para a Câmara, vai tramitar pela CCJ, comissão especial e outras duas votações no plenário. Para essas etapas posteriores, ainda não há datas.
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal deverá passar pela chamada "modulação de efeitos" dos próprios ministros. A modulação fixa o alcance da decisão do plenário ao longo do tempo.
Ou seja, fixada uma tese, o tribunal vai decidir a partir de quando ela será aplicada. Geralmente, os ministros concluem que devem ser preservados os processos já encerrados e que a decisão da Corte deve valer para os casos em andamento e os futuros. Mas tudo dependerá do que for decidido.
Se o Congresso aprovar a mudança na Constituição, ela também deve valer para o futuro, ou seja, para os casos posteriores à sua entrada em vigor. É possível também que a emenda elaborada pelos parlamentares seja também questionada no Supremo, e o caso volte ao debate na Corte.
A Lei de Drogas, de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim sanções como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas (essas duas últimas pelo prazo máximo de cinco meses).
Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão. Os processos correm em juizados especiais criminais e a condenação não fica registrada nos antecedentes criminais.
A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga — essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.
Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.
Para isso, o magistrado terá de levar em conta os seguintes requisitos: a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as circunstâncias da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa que portava o produto, além de suas condutas e antecedentes.
Ou seja, não há um critério específico de quantidades estabelecido em lei. Com isso, a avaliação fica a cargo da Justiça.
A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão — detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.
A discussão sobre o porte de drogas traz ao debate as diferenças entre três mecanismos: descriminalização, despenalização e legalização.
Despenalizar significa substituir uma pena de prisão (que restringe a liberdade) por punições de outra natureza (restrições de direitos, por exemplo).
Legalizar é estabelecer uma série de leis que permitem e regulamentam uma conduta. Essas normas organizam a atividade e estabelecem suas condições e restrições — regras de produção, venda, por exemplo. Também pune quem descumpre o que for definido. Na prática, é autorizar por meio de uma regra.
Já descriminalizar consiste em deixar de considerar uma ação como crime. Ou seja, em âmbito penal, a punição deixa de existir. Mas é possível ainda aplicar sanções administrativas ou civis, como já é previsto na legislação.
No caso do julgamento no Supremo, os ministros discutem a descriminalização. Não há na mesa propostas de legalização das substâncias, nem de despenalização.
Já o Congresso discute escrever na Constituição que a conduta deve ser um crime, prevendo que a lei vá detalhar a prática e diferenciar usuários e traficantes.
Em 2006, quando aprovou a Lei de Drogas, o Legislativo despenalizou o porte de drogas para consumo próprio, mas também não legalizou a conduta.