Em mais uma tentativa de amenizar o desgaste com evangélicos, o governo cruzou os braços nesta terça-feira e viu avançar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária para igrejas. O texto foi aprovado de forma simbólica em Comissão Especial da Câmara, sem a oposição do Palácio do Planalto e com a presença de apenas um deputado governista. O texto agora segue para o plenário, com tendência de aprovação e onde a tônica vai permanecer a mesma: o Executivo não deverá se posicionar contra, ainda que o projeto possa representar uma perda de arrecadação de R$ 1 bilhão, nas contas do relator da matéria. No plenário, são necessários ao menos 308 votos, em dois turnos, cálculo que os apoiadores imaginam alcançar com folga, já que a iniciativa tem amplo apoio na Casa. Na etapa anterior, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Planalto também não havia apresentado objeções.
Ainda que represente menos dinheiro no cofre em um contexto em que os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) buscam espaço no Orçamento para manter investimentos e cumprir a meta de déficit zero, o governo calcula que uma manobra que contrarie a bancada evangélica tem um custo político elevado.
Novo foco de atrito
A relação de Lula com o segmento já é marcada por distanciamento e, na semana passada, surgiu um novo foco de atrito. O presidente comparou a ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto, o que gerou críticas de evangélicos. No domingo, o ex-presidente Jair Bolsonaro reuniu milhares de apoiadores em São Paulo em manifestação que teve forte caráter religioso, evidenciado no discurso da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e na presença do pastor Silas Malafaia como principal condutor do ato.
Num panorama mais amplo, o Planalto vem tentando reduzir arestas com o Congresso em geral, depois de atritos provocados pelo veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão.
De acordo com o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), autor da PEC, reuniões com a Casa Civil, Fazenda e Planejamento já foram realizadas e há um compromisso apalavrado com os governistas para deixarem o caminho livre.
Líder do governo na Câmara, o deputado Odair Cunha (MG) admite que há uma “tendência” de liberação da bancada.
— Ainda vamos analisar o texto final e deliberar, mas a tendência é não apresentarmos resistência.
Já o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), diz que há chance até de votos favoráveis, já que o impacto orçamentário não é considerado alto.
— Tenho a disposição para discutir, é um reclame de uma bancada representativa no Congresso que tem interface e diálogo com o governo. Vamos ver o encaminhamento na Câmara. Pelas informações da Fazenda, não é uma proposta que traz grande impacto fiscal. Temos que debater o mérito apenas.
Procurada, a Fazenda disse que não comenta projetos em andamento.
Agora, a bancada evangélica pressiona o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a PEC seja levada a plenário até a primeira semana de março. A ideia do grupo é que a promulgação ocorra às vésperas da Semana Santa, depois de ser votada pelo Senado.
Hoje, templos de qualquer religião são isentos de impostos sobre patrimônio, renda e serviços considerados essenciais para o exercício de suas atividades, de acordo com a Constituição. Assim, as igrejas não pagam, por exemplo, IPTU e de Imposto de Renda .
Pela proposta que avançou na terça, os templos também ficam isentos de impostos sobre a aquisição de bens e serviços “necessários” para construir e manter o patrimônio e para a prestação de serviços das entidades religiosas, como reformas de igrejas. Há previsão de o benefício abranger tributos indiretos, como os que incidem sobre a conta de luz.
Entidades ligadas a igrejas, como comunidades terapêuticas, creches, asilos e escolas, por exemplo, também serão contempladas, segundo a PEC. O texto original apresentado por Crivella previa que a isenção também alcançasse partidos políticos e instituições sem fins lucrativos, mas isto não foi à frente.
— Atualmente, o dízimo é taxado duas vezes: a primeira, quando o trabalhador recebe o seu salário e é descontado. Depois, quando a igreja vai empregar esses valores novamente e volta a ser descontada. Isto vai acabar, já que a isenção abrange reformas e serviços sociais — disse Crivella.
A isenção dos templos funcionará por meio da devolução de créditos em conta corrente das entidades que tiverem feito os pagamentos. Uma lei complementar, que será feita posteriormente, delimitará as regras para esta devolução. O Conselho Nacional de Política Fazendária terá até 31 de dezembro de 2025 para estabelecer os detalhes dessa dinâmica de devolução dos valores às entidades.
'Boom' de CNPJs
De acordo com o relator da PEC, o deputado Fernando Máximo (União-RO), o governo federal deixará de arrecadar cerca de R$ 1 bilhão em impostos anuais:
— O impacto tributário gira em torno de R$ 1 bilhão, mas há um retorno direto, a partir dos benefícios que essas instituições trazem para a sociedade. A igreja só poderá se valer deste benefício caso prove que o dinheiro usado vem de recursos próprios ou do dízimo e que os valores foram empenhados nessas atividades e obras específicas.
Como apenas igrejas com CNPJ serão contempladas com as isenções, Crivella prevê que a medida pode provocar uma espécie de “boom” no número de instituições religiosas registradas.
— Hoje, temos algo em torno de 175 mil templos religiosos com CNPJ, entre as mais diversas religiões. Sem CNPJ, estima-se que o número chegue a 500 mil. Acho que, em busca deste benefício, o número de templos registrados pode subir — afirmou.
Em outras tentativas de aplacar resistências, Lula fez outros acenos a evangélicos desde o início do mandato. A Reforma Tributária aprovada no ano passado já havia concedido benefícios. Em fevereiro do ano passado, o PT endossou a indicação, pela Câmara, do deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) para ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) — o Republicanos é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. A base do governo também chancelou um acordo costurado por Lira que levou o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), à vice-presidência da Casa. Ele é bispo licenciado da Universal.
Entenda a proposta
• Como é a regra atual:Templos de qualquer religião são isentos de impostos sobre patrimônio, renda e serviços considerados essenciais para o exercício de suas atividades, de acordo com a Constituição. Assim, as igrejas são isentas as igrejas são isentas, por exemplo, de IPTU e de Imposto de Renda (IR).
• Como fica, se a PEC avançar: Também ficam isentos de impostos sobre a aquisição de bens e serviços "necessários" para construir e manter o patrimônio e para a prestação de serviços das entidades religiosas, como reformas de igrejas. Há previsão de o benefício abranger tributos indiretos, como os que incidem sobre a conta de luz. A medida vale ainda para a manutenção de entidades religiosas e suas comunidades terapêuticas, creches, asilos, escolas e outras instituições. A isenção dos templos funcionará por meio da devolução de créditos em conta corrente das entidades que tiverem feito os pagamentos.