As duas comunidades terapêuticas alvos da Operação Freedom, realizada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), em Pirapozinho (SP), foram fechadas pelos proprietários. Nesta reportagem, o g1 explica como devem funcionar as clínicas e a importância delas para a recuperação de dependentes químicos.
Tais comunidades foram investigadas por supostamente manter os pacientes, dependentes químicos, em cárcere privado. As denúncias foram feitas por populares e residentes dos locais de forma anônima ao MPE-SP.
Durante a investigação, foi constatado que diversos pacientes estavam nas comunidades Help Life e Help Prime de forma involuntária. Na ocasião, oito pessoas foram presas por cárcere privado, sequestro e maus-tratos.
Ao g1, o Ministério Público informou que, após a operação, celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os proprietários das comunidades investigadas, que visava ao fechamento voluntário dos locais em razão das irregularidades. Além disso, exigiu que a entrega dos pacientes fosse de forma humanizada e responsável aos familiares. O TAC também previu o pagamento de multa.
Conforme o promotor de Justiça que trabalha no caso, Yago Belchior, a Comunidade Terapêutica Help Life firmou o TAC com a Promotoria e fechou o estabelecimento. Já a Comunidade Terapêutica Help Prime ainda está negociando os termos, mas também encerrou as atividades.
Ainda segundo o MPE-SP, os pacientes que estavam internados contra a sua vontade e de forma irregular foram entregues aos familiares, que se comprometeram a comparecer às clínicas para buscá-los.
“Os pacientes, cuja família não foi possível contato ou que não manifestaram interesse na sua retirada, receberam suporte da assistência social municipal para fins de alimentação e aquisição de passagem de ônibus para a cidade de residência”, afirmou.
O delegado responsável pela Operação Freedom no âmbito da Polícia Civil, Rafael Guerreiro Galvão, disse ao g1 que sete das oito pessoas presas foram soltas sob medidas cautelares. Apenas um suspeito continuou preso devido aos antecedentes policiais que possuía.
O g1 solicitou um posicionamento à Comunidade Terapêutica Help Prime. O advogado que defende a empresa, Paulo Bacaro, informou que “só vai se manifestar em juízo”.
A reportagem também tentou entrar em contato com o proprietário da Comunidade Terapêutica Help Life, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Comunidades Terapêuticas
As Comunidades Terapêuticas (CTs) são instituições de natureza privada, em grande parte religiosas, que se estruturam como residências coletivas temporárias para recuperação de pessoas que fazem uso de álcool e drogas.
Algumas delas recebem financiamento do governo federal, o que não é o caso das comunidades em Pirapozinho citadas na reportagem, conforme a plataforma "Raio-X das Comunidades Terapêuticas: Plataforma de Pesquisa e Fiscalização das Entidades com Financiamento Público Federal".
Os serviços de saúde e de interesse à saúde são fiscalizados pelas vigilâncias sanitárias locais, com base em normas sanitárias federais e locais sobre o tema.
A fiscalização sanitária avalia aspectos de infraestrutura, documentação, recursos humanos e processos de trabalho. Em casos de irregularidades, algumas sanções devem ser aplicadas dependendo da gravidade ou reincidência da infração. As punições variam entre advertência, multa, apreensão e inutilização de produtos, e até a interdição do estabelecimento.
Conforme a médica psiquiatra Suely Feijo Broini, as comunidades terapêuticas não fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS), mas integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD).
Internação voluntária
Ainda conforme o promotor de Justiça Yago Belchior, a admissão de dependentes químicos em comunidades terapêuticas deve ser feita apenas de forma voluntária.
“O Ministério Público adverte as famílias das pessoas que se encontram internadas nessas comunidades terapêuticas que os locais só podem realizar internações voluntárias. Ou seja, a pessoa só pode estar ali por vontade própria tanto na entrada, quanto na saída. Isso é, a partir do momento em que ela declarar que não quer mais dar continuidade ao tratamento, em que ela quiser sair, isso tem de ser permitido, tem de ser franqueado pelos responsáveis pelas clínicas, sob pena de configuração de cárcere privado, de a pessoa estar ali detida de forma ilegal”, ressaltou o integrante do MPE-SP.
O g1 conversou com os sócios-proprietários de outras duas comunidades terapêuticas localizadas em Pirapozinho e Tarabai (SP), que explicaram como funcionam a admissão dos pacientes e o acompanhamento realizado nos locais.
As comunidades oferecem tratamento de recuperação para dependentes químicos e tudo deve ser feito de forma consensual entre o paciente e a família.
“Tanto a família quanto o paciente, estando de acordo, a gente faz o acolhimento, todo o procedimento, a entrevista, a anamnese. Quando ele chega à comunidade, é feito uma anamnese, uma entrevista, buscando assim colher informações de quanto tempo de uso ele teve para poder inserir o tratamento da recuperação da dependência”, explicou Ananias Júnior, um dos proprietários da Comunidade Terapêutica Rosa de Saron, localizada em Pirapozinho.
Os pacientes devem ter entre 18 e 60 anos. Assim que admitidos, eles recebem um tratamento multiprofissional por um período de 90 a 180 dias.
“Ofertamos todas as cinco refeições do dia, atendimento médico, clínico, psiquiátrico, nutricionista, psicólogo, terapeuta, técnico de enfermagem que atua todos os dias de prontidão, pronto para atender qualquer tipo de emergência”, explicou Ananias.
O tratamento é pago, mas as comunidades possuem parcerias com a Polícia Civil e prefeituras de algumas cidades da região, que fornecem determinadas vagas gratuitas.
“A gente começou um projeto com a Polícia Civil de Pirapozinho, temos quatro pacientes em vagas sociais. Com a Prefeitura, a gente tem também, eles trazem. Temos vários convênios e parcerias com as prefeituras de Presidente Bernardes [SP], de Álvares Machado [SP], de Quatá [SP]. A Prefeitura paga”, disse Luís Thiago Cuissi, sócio-proprietário da Comunidade Terapêutica Aliança, em Tarabai.
Luís ainda explicou que os familiares têm acesso ao tratamento do paciente justamente para evitar casos de maus-tratos.
“Tem as ligações semanais para ter apoio da família, tem chamadas de vídeo, porque tem família que chega muito preocupada com relação a agressão. Tem família que quer que mostre dos pés à cabeça e a gente mostra certinho. As visitas são mensais, o tratamento é feito [na maioria das vezes] em três meses e a família o leva no último dia”, enfatizou.
Porém, durante os dias de internação, os pacientes costumam sofrer com a abstinência da substância. Muitos pedem para ir embora e a família deve ser acionada, visto que o tratamento é consensual.
“A família decide, se vem buscar, se vai conversar, se vai dar oportunidade para nós cuidarmos dele, porque depois entram o psicólogo, o terapeuta, para explicar o que é a doença, o que é adicto, o que é adicção. Isso é uma doença, é um vício”, enfatizou Luís.
Ainda conforme o promotor Yago Belchior, as famílias devem ter responsabilidades sobre seus familiares que se submetem ao tratamento.
“Que as famílias tenham responsabilidade e acompanhem isso, estejam sempre em contato frequente com seus familiares que estejam internados nessas clínicas para poder acompanhar as condições em que são tratados, se estão recebendo alimentação adequada, medicação, tratamento efetivamente adequado e não deixar seus familiares como verdadeiro depósito de gente nessas clínicas, meio que só se livrando do problema”, orientou Belchior.
Segundo a médica psiquiatra Suely Feijo Broini, a dependência química é considerada uma doença crônica e sem cura.
“O tratamento visa ao controle desta doença. A forma ideal de tratamento consiste em atendimento ambulatorial com psicólogo e psiquiatra, bem como suporte para familiares. Este atendimento pode ser feito no serviço público (Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas - CAPS-AD) ou de forma privada”, explicou ao g1.
As comunidades terapêuticas são indicadas quando uma primeira tentativa de recuperação não alcançou o resultado esperado.
“As clínicas de recuperação são indicadas quando o tratamento ambulatorial não atingiu resultado e o indivíduo passa a apresentar exposição excessiva ao uso e risco de problemas sociais, violência ou tráfico, e de saúde física e mental de natureza grave. A internação pode ocorrer de forma voluntária ou involuntária (precisa de indicação médica e autorização judicial e, após a internação, deve ser acompanhada pelo Ministério Público). As CTs são entidades privadas que realizam o acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes da dependência química, em regime residencial, transitório e de caráter voluntário”, disse a psiquiatra.