O prefeito de Santo Anastácio, Roberto Volpe (MDB), foi condenado em primeira instância pela Justiça à perda da função pública em decorrência de uma ação civil de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Estadual (MPE).
De acordo com a sentença da juíza Viviane Cristina Parizotto Ferreira, da Vara Única do Fórum da Comarca de Santo Anastácio, Volpe agiu irregularmente na reintegração ao cargo de controlador interno da Prefeitura de um funcionário que havia sido demitido por seu antecessor no comando do Poder Executivo. Segundo a decisão judicial, o funcionário beneficiado pela reintegração é "amigo íntimo e antigo correligionário político" de Volpe.
Além do prefeito, outros três servidores municipais e o próprio homem que havia sido beneficiado pela reintegração ao cargo público também foram condenados por improbidade administrativa no caso.
A pena de perda das funções públicas foi aplicada a Volpe e aos três servidores que continuam na ativa. Não houve a aplicação desta medida ao outro envolvido porque a sua reintegração ao cargo foi revogada pelo próprio Volpe, em agosto de 2018, após decisão judicial.
A sentença da juíza Viviane Cristina Parizotto Ferreira, proferida na quarta-feira (14), ainda condenou todos os cinco envolvidos na ação do MPE a outras três penalidades previstas na lei 8.429/92, a chamada Lei de Improbidade Administrativa, que são:
- a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos;
- o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; e
- a proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de cinco anos.
Demissão
Na ação civil pública, a Promotoria alegou que, no ano de 2013, o prefeito da época, Alaor Aparecido Bernal Dias (PSDB), instaurou processo administrativo contra o funcionário Wilson Antônio Leme de Godoy, ex-secretário municipal e então controlador interno, em virtude da reprovação da prestação de contas de um convênio celebrado com o Ministério do Turismo.
Foi aplicada contra Godoy a penalidade administrativa da demissão, não só porque se encontrava em estágio probatório, segundo o MPE, mas, sobretudo, porque houve lesão aos cofres públicos.
De acordo com a Promotoria, a Prefeitura teve de devolver aos cofres federais o valor corrigido de R$ 132.063,20 e, em razão da inclusão do município no Sistema Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (Cauc) federal, deixou de receber uma emenda parlamentar de R$ 344.750,00 para o recapeamento asfáltico de Santo Anastácio.
Outro argumento apresentado pelo MPE foi o de que Godoy judicializou, sem nenhum êxito, a discussão sobre a legalidade do processo administrativo e da respectiva penalidade da demissão, com o objetivo de ser reintegrado ao cargo de controlador interno.
No entanto, segundo a Promotoria, a exaustiva discussão judicial sacramentou a legalidade do processo administrativo e da respectiva penalidade de demissão imposta.
Reintegração
Volpe foi eleito para assumir o cargo de prefeito de Santo Anastácio no mandato de 2017 a 2020 e reintegrou Godoy.
Segundo o MPE, um dia após a posse de Volpe como prefeito, Godoy elaborou pedido de revisão e o chefe do Poder Executivo determinou a abertura de processo administrativo, designando os servidores Rosângela Cristina Neres, Isabel Gomes Dias Munhoz e Robson Rodrigues da Silva, para integrarem a comissão processante encarregada de analisar a solicitação.
Os envolvidos, segundo a Promotoria, sem nenhum fato novo e sem a colheita de alguma outra prova oral, documental ou pericial, opinaram pelo acolhimento do pedido de revisão de Godoy, com a aplicação da penalidade administrativa de advertência e a sua reintegração ao cargo de controlador interno.
Ainda conforme o MPE, após três anos e dois meses de vacância do cargo, o prefeito Roberto Volpe editou, no ano passado, o decreto que ilegalmente deferiu o pedido de revisão formulado por Godoy, anulando a sua demissão, e baixou a portaria que o reintegrou ao cargo de controlador interno.
No entendimento do MPE, que se refere a Wilson Antônio Leme de Godoy como "amigo íntimo e antigo correligionário político" de Roberto Volpe, os envolvidos praticaram improbidade administrativa, com o fim de facilitar a reintegração do até então demitido, sem qualquer atenção ao interesse público, ao cargo de controlador interno.
Após o ajuizamento da ação civil pública pelo MPE, a Justiça deferiu, em dezembro de 2017, a tutela antecipada para determinar a suspensão dos efeitos do decreto e da portaria baixados por Volpe, com o afastamento imediato de Godoy do cargo de controlador interno, com prejuízo da sua remuneração, e a proibição do pagamento de qualquer indenização. Foi interposto agravo de instrumento, o qual foi recebido sem efeito suspensivo, mantendo-se, por ora, a decisão agravada.
'Empreitada ímproba'
"No caso dos autos, vislumbro na conduta dos requeridos (Alcaide e demais requeridos – servidores municipais e ex-servidor) o elemento volitivo necessário à configuração do ato de improbidade lesivo ao erário a eles imputado, bem assim a ilegalidade e irregularidade na conduta dos mesmos no que tange ao processo de revisão do ato administrativo que reintegrou o corréu Wilson ao cargo do qual fora exonerado. Além disso, obtempero que restou configurado prejuízo ao erário", sentenciou a juíza Viviane Cristina Parizotto Ferreira.
"Outrossim, infere-se dos documentos acostados aos autos que a questão acerca do reingresso do requerido Wilson Antônio Leme de Godoy no cargo do qual foi exonerado fora discutida diversas vezes na via judicial, denotando-se que em nenhuma delas ele obteve êxito no seu intento de retornar ao cargo que ocupava junto a Administração Municipal", salientou a magistrada.
No entendimento da juíza, "seja qual for o vértice de análise, a exaustiva discussão judicial acerca do fato sacramentalizou a legalidade do processo administrativo e a penalidade de demissão aplicada ao requerido Wilson".
A sentença citou testemunhas "que foram capazes de delinear a propalada ilegalidade ou irregularidade na conduta dos requeridos, que leva ao sancionamento por ato de improbidade administrativa".
"Portanto, aludidas testemunhas foram unânimes em afirmar que existia relação de amizade entre os corréus Roberto e Wilson, que inclusive este correligionário político do primeiro, e que não sabiam de fato novo que ensejasse a revisão da pena aplicada a este último", salientou a juíza.
"Reputo, pois, que os corréus Roberto e Wilson agiram de modo consciente no intuito de facilitar a reintegração do segundo, não havendo atenção ao interesse público, sendo certo, por outra banda, que os requeridos Rosângela Cristina Neres, Robson Rodrigues da Silva e Isabel Gomes Dias Munhoz, todos servidores públicos municipais, aderiram e concorreram para a empreitada ímproba", pontuou a magistrada.
"A meu sentir, todas essas condutas foram intencionais, voltadas a facilitar o reingresso do requerido Wilson no serviço público, dolosas, com manifesto conteúdo político, de modo a contrariar o interesse público", considerou a juíza.
"Além disso, o ato ímprobo praticado pelo requerido Roberto Volpe, em concurso com os requeridos Rosângela Cristina Neres, Robson Rodrigues da Silva e Isabel Gomes Dias Munhoz, conferiu o direito a indevido ressarcimento ao requerido Wilson Antônio Leme de Godoy, que poderia reclamar as verbas salariais não recebidas no período compreendido entre a sua demissão e a sua reintegração no cargo de Controlador Interno", observou a magistrada.
'Comportamento doloso'
"E a situação dos autos retrata comportamento doloso, visto que, como dito, houve nítida intenção dos agentes em burlar as normas que regem a Administração Pública, revendo o ato que demitiu um servidor, sem haver fatos novos ou outra situação que ensejasse a revisão da pena, nos termos previstos no Estatuto do Servidor, e sem realizar a produção de provas, que justificassem a modificação da pena e a edição das portarias que reintegrou o servidor, cuja exoneração já havia sido exaustivamente discutida na via judicial e confirmada pela Justiça", ressaltou Viviane Cristina Parizotto Ferreira.
"No caso, o requerido Wilson sequer era servidor estável, visto estar em estágio probatório, ao passo que o requerido Roberto, auxiliado pelos outros requeridos, ignorou a necessidade de decisão judicial transitada em julgado para reintegrar o requerido Wilson Antônio Leme de Godoy no cargo de Controlador Interno", pontuou a juíza.
"Em outras palavras, por tudo quanto narrado acima, reputo que restou demonstrado o 'animus' de desonestidade na conduta dos requeridos, evidenciando-se a intenção e consciência em descumprir a legislação regente, mediante violação dos princípios da Administração Pública, de modo a caracterizar o ato ímprobo", concluiu a magistrada.
Outro lado
O advogado Paulo Rogério Kuhn Pessoa, que atua nas defesas de Rosângela Cristina Neres, Isabel Gomes Dias Munhoz e Robson Rodrigues da Silva, informou ao G1 nesta sexta-feira (16) que já está ciente da sentença e se surpreendeu com a decisão da Justiça.
Conforme Pessoa, nas audiências de instrução, todas as testemunhas, inclusive as de acusação, foram unânimes em declarar que os três funcionários não cometeram nenhuma conduta ímproba.
"Não houve dolo. Vamos impetrar recurso contra a sentença no TJ [Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo]. Estamos confiantes de que o órgão colegiado reverterá essa decisão", concluiu Pessoa.
Wilson Antônio Leme de Godoy disse que somente seu advogado poderia se manifestar sobre o assunto. No entanto, a reportagem não conseguiu contato com o defensor nesta sexta-feira (16).
O G1 também tentou contato com Roberto Volpe e com o advogado de defesa do prefeito, mas as ligações para ambos não foram atendidas.
A mensagem enviada pelo G1 para Volpe também não foi respondida até o momento desta publicação.
Na defesa de seus interesses, os réus alegaram à Justiça que não ficaram demonstrados dano aos cofres públicos, má-fé, ilegalidade ou irregularidade nas suas condutas no que tange ao processo de revisão do ato administrativo.
As defesas sustentaram que as condutas dos três servidores designados por Volpe para a comissão processante limitaram-se ao exercício de suas atribuições funcionais e ainda que os fatos e a causa de pedir foram narrados de forma genérica.
Volpe argumentou também que a lei 8.429/92 é inaplicável aos agentes políticos e que não há interesse processual com a demanda.