Cristiano Aparecido Marques (PP), o “Cristiano Cabeleireiro”, presidente da Câmara Municipal de Lucélia, teve seu mandato de vereador declarado extinto em sessão extraordinária realizada pelo Poder Legislativo da cidade nesta quinta-feira (3), após decisão do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Lucélia em que foi condenado por violar norma sanitária no período da pandemia, em suas atividades profissionais, quando estavam vigentes as restrições que impediam o funcionamento presencial de diversos setores da economia, exceto aqueles considerados essenciais. A sentença é do juiz André Gustavo Livonesi.
Com a condenação criminal comunicada pela Justiça local ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP), Cristiano teve seu direitos políticos suspensos, com a conseguinte perda do mandato. Cristiano Marques informou que irá recorrer da decisão, na tentativa de reaver o posto legislativo. Ele estava em seu segundo mandato.
Na mesma sessão extraordinária eu que seu mandato foi declarado extinto, houve a posse da vereadora suplente, Cátia Maion (PP), que na eleição de 2020 obteve 184 votos. Ela é enfermeira, funcionária do quadro municipal, e assume a cadeira legislativa.
A extinção do mandato do vereador Cristiano Marques causou, também, mudanças na mesa diretora da casa legislativa. A sessão extraordinária foi presidida pela vereadora Alessandra Rocha Nonato (PL), vice-presidente, que agora se torna a nova presidente da Câmara Municipal de Lucélia.
Entenda o caso
Segundo narra a sentença lançada nos autos do Processo Nº 1500594-97.2021.8.26.0326 em 29 de novembro do ano passado, de acesso público no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, durante a fase vermelha do Plano São Paulo, na pandemia da Covid-19, o acusado estava com seu estabelecimento comercial em funcionamento.
Um fiscal tributário municipal, arrolado como testemunha, declarou em juízo que o profissional, que também era vereador, não teria respeitado as orientações municipais de que não poderia manter o salão de cabeleireiro aberto, sendo feita uma orientação verbal, depois uma notificação e em seguida, pela não observância das regras, foi aplicada a multa.
Os autos narram ainda a ocorrência de aglomeração decorrente de confraternização após uma obra de enchimento de uma laje na propriedade do vereador, situação que também contrariava, na ocasião, as normas sanitárias de contenção na pandemia, e citam que o mesmo teria realizado lives nas redes sociais que estariam incitando outros moradores ao descumprimento das determinações sanitárias. “Já o acusado buscou se eximir da responsabilidade penal, negando qualquer atendimento de clientes na data dos fatos e aduzindo que fez “lives” e foi com outros comerciantes até a Prefeitura Municipal em razão das dificuldades financeiras”, disse Cristiano em sua defesa, conforme o texto informado na sentença.
Situação semelhante, de violação de norma sanitária, foi narrada nos autos, envolvendo um estabelecimento de açaí, no mesmo endereço. A companheira de Cristiano, com quem mantém relação estável, foi denunciada na mesma ação, relacionada a esse comércio, que também teria funcionado com atendimento presencial, quando para a atividade, na época, era permitido apenas o serviço delivery. “E mais, o Relatório de Fiscalização de fl. 57 e s/s evidencia que a acusada tinha sido orientada pelos Fiscais Municipais para o cumprimento das medidas restritivas em vigor e poucos dias antes da autuação foi notificada pelo descumprimento, restando inconteste a reiteração no desrespeito deliberado às normas sanitárias e demais determinações oficiais tendentes à contenção da propagação do Covid-19”, informa o texto, no site do TJSP.
Ouvidas as partes e analisados os documentos juntados ao caso, a justiça entendeu pela ocorrência de dois crimes previstos no Código Penal. Um deles com base no Artigo 268, por “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, e o outro com base no Artigo 286, por “incitar, publicamente, a prática de crime”.
Conforme a sentença, “As provas mostram que, embora orientado verbalmente e notificado por Fiscais Municipais, o acusado continuou a agir de modo incorreto, atendendo clientes no local, tanto que foi autuado pela fiscalização municipal”, escreveu o magistrado. Ele citou que além dos depoimentos de testemunhas, foram juntadas provas documentais com base nos autos de fiscalização produzidos pelo poder público.
Na sequência da sentença o magistrado aborda sobre a realização das transmissões em vídeo nas redes sociais. “Embora tenha tentado justificar sua conduta, o acusado admitiu que fez as “lives” e foi com outros comerciantes até a Prefeitura Municipal para falar das dificuldades financeiras enfrentas em razão das imposições impostas aos comerciantes. Contudo, o teor das “lives” transcritas na fl. 81 e s/s deixa evidente seu descontentamento com as restrições impostas, citando outros tipos de estabelecimentos que permaneciam em funcionamento, inclusive, os próprios servidores municipal. É possível constatar que em dado momento há uma convocação para fazer uma “revolução”, para fecharem a Prefeitura, para cada um fazer o que puder. Como se vê, apesar de todo esforço das Autoridades, o acusado insistia em não cumprir as normas e, após as atuações referidas na denúncia, passou a incitar, publicamente, através de suas redes sociais, outros empresários a não cumprirem as regras impostas, a pretexto de outros estabelecimentos funcionarem e os salários dos serviços públicos não sofrem qualquer impacto”.
Ao final da apreciação judicial sobre a denúncia, o juiz fixou a pena dos dois acusados. Cristiano foi condenado à pena de detenção, pelo prazo de quatro meses, em regime aberto, e ao pagamento de dez dias-multa, com base nos artigos 268 e 286 do Código Penal, e sua companheira à pena de detenção de um mês, também em regime aberto, e pagamento de dez dias-multa, com base no Artigo 268.
O magistrado substituiu a pena privativa de liberdade dos acusados por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor um salário mínimo por cada acusado, em prol de entidade assistencial.
O juiz determinou ainda na sentença a expedição de comunicações oficiais a outros órgãos, entre eles o TRE-SP, em face da condenação criminal com trânsito em julgado implicar em suspensão dos direitos políticos e, por conseguinte, a extinção do mandato.
Mesa diretora da Câmara é notificada e convoca sessão extraordinária
Em um despacho nesta quarta-feira (1), também de acesso público no site do TJSP, o magistrado informou que a sentença condenatória transitou em julgado em 25 de janeiro de 2023, e que o acusado Cristiano Marques apresentou os comprovantes do recolhimento da prestação pecuniária e multa, pleiteando a extinção da pena.
Em relação às implicações legais de suspensão dos direitos políticos em decorrência de condenação criminal, fato já comunicado à Justiça Eleitoral, o juiz observou que Cristiano mantinha o mandato vigente, na Câmara Municipal. Assim, expediu novas determinações, entre as quais a verificação se a Câmara Municipal cumpriu a decisão judicial, para declarar extinto o mandato de Cristiano, e se teria efetuado a nomeação e posse do suplente. Foram notificados, nos autos, a vice-presidente da Câmara e toda a mesa diretora da atual legislatura.
Sem outra alternativa, e acolhendo a decisão judicial, a Câmara Municipal de Lucélia realizou sessão extraordinária nesta quinta-feira (2), presidida pela vice-presidente, vereadora Alessandra Rocha Nonato (PL), que se torna agora presidente do poder legislativo local.
Extinção de mandato e posse de suplente
Na sessão, sob forte emoção, Cristiano fez uso da palavra, na tribuna, onde expôs sobre a decisão judicial. Ele abriu sua fala pedindo desculpas diante do atual contexto. “Peço desculpas porque não é fácil e espero que todos entendam”, disse.
Na sequência, ele destacou sua atuação legislativa ao longo dos últimos seis anos, estando agora em seu segundo mandato. “Durante pouco mais de seis anos atuei em busca de melhorias para minha cidade e para a população. Por questões judiciais tenho que me afastar como vereador, mas certamente continuarei batalhando pela população de Lucélia”, afirmou.
Ele firmou o acolhimento à decisão judicial vigente, o que será feito pelo seu atual advogado, e adiantou que irá recorrer, para tentar reaver a atividade legislativa. “A decisão judicial que determinou a cassação do meu mandato será cumprida hoje, como deve ser. Porem iremos recorrer na forma que a lei permite, para que logo eu possa voltar”, frisou Cristiano. “Tudo foi originado por um fato corriqueiro na época da pandemia, onde fui autuado por exercer a minha profissão, mas estou lutando para provar minha inocência. Acredito na justiça humana e na justiça de Deus, que logo estarei de volta”, continuou.
Ao final, Cristiano fez agradecimento e disse que deixa o legislativo, nessas circunstâncias, com a cabeça erguida. “Saio de cabeça erguida e em pé, ciente das melhorias que busquei para minha cidade, e também muito agradecido por cada cidadão que confiou seu voto em mim. Há um ditado que traduz esse momento: prego que se destaca toma martelada”, encerrou. Ao deixar a tribunal ele foi aplaudido e abraçado por colegas.
Depois da declaração de Cristiano na tribuna da Câmara, a sessão extraordinária teve sequencia com a leitura do despacho legislativo que declara a perda do mandato, após a comunicação recebida da Justiça Eleitoral. No âmbito da legislação municipal, a declaração de perda do mandato seguiu o rito com base no Artigo 38, VI, da Lei Orgânica Municipal, e Artigos 344, I, e 345, do Regimento Interno da Câmara.
A Câmara Municipal de Lucélia também consultou o Cartório Eleitoral local sobre o suplente do vereador Cristiano, para sua convocação e posse. A suplente Cátia Maion foi empossada na mesma noite, na sequencia da sessão extraordinária, onde firmou o compromisso público.
Depois, na tribuna, a vereadora recém empossada fez seu primeiro discurso. “Apesar das circunstâncias, mutas vezes não compreendemos os desígnios de Deus”, iniciou. “Com muita honra quero somar positivamente nessa casa de leis. Tenho certeza que todos, independentemente de partido ou ideologia, vamos trabalhar sempre pelos interesses da nossa cidade, na busca do bem comum dos nossos munícipes, na busca do desenvolvimento econômico, da justiça social, da saúde, da educação, do funcionalismo público do qual eu pertenço, com já vem sendo desenvolvido nesses dois anos”, destacou.
Cátia se pôs a disposição e reiterou apoio e proteção. “Estou chegando para somar, com humildade. Talvez eu não seja digna de estar aqui, mas Deus vai direcionar isso”, disse. “Rogo a Deus e a sua proteção divina, a proteção da Virgem Maria Santíssima, e que me ajude, a cada dia, a exercer e a legislar com dignidade, com amor e com fidelidade”, encerrou.