Um programa de lotes urbanizados, caracterizado de interesse social, em Adamantina, é alvo de investigações propostas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), em localidades da região de Presidente Prudente.
Trata-se do Programa Nosso Bairro, criado pela frente parlamentar de habitação do Congresso Nacional e executado pela Associação Nacional de Habitação de Interesse Social e Desenvolvimento Urbano (ANAHIS).
O programa foi apresentado em Adamantina no mês de junho último, no Ginásio Municipal de Esportes “Paulo Camargo”, como endosso da Prefeitura Municipal de Adamanina, conforme material de divulgação distribuído à época.
Segundo publicou o jornal Diário do Oeste desta quinta-feira (29), o programa buscar realizar o sonho da casa própria sendo organizado pela Federação Nacional de Habitação de Interesse Social, com apoio da prefeitura de Adamantina, através do prefeito Marcio Cardim (DEM) e da vereadora Dinha Santos Gil (DEM) que estiveram presentes em todas as reuniões realizadas na cidade.
De acordo com a publicação, a mais recente reunião sobre o programa, em Adamantina, ocorreu no último sábado (24), também no Ginásio de Esportes.
Já a investigação desencadeada pelo MPSP é decorrente da divulgação, mobilização e execução do mesmo programa em outras cidades da região.
Dúvidas e incertezas
Segundo o Jornal Diário do Oeste, neste quinto encontro realizado no último sábado (24), o objetivo principal da reunião era apresentar aos interessados a data que seria realizada uma visita na área para possível aquisição e construção das casas. De acordo com o Jornal, a compra dessa área só seria efetivada com manifestação favorável pela maioria dos interessados.
No entanto – diz o Diário do Oeste –, o público que esteve nessa reunião foi informado pelo assessor de comunicação do programa que a data da visita na área foi adiada em razão de uma decisão da justiça que determinou a suspensão de todas as atividades referentes ao Programa Nosso Bairro, que tem sido realizado também nas cidades de Presidente Bernardes e Emilianópolis.
O Diário do Oeste informou que esta decisão judicial foi adotada em ação civil pública protocolada pelo MPSP, após receber denúncias de que poderia haver irregularidades na associação que está realizando o empreendimento, com indícios de desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, à lei de parcelamento do solo e na formação da Associação como uma entidade sem fins lucrativos. Além disso haveria uma série de pontos que não ficam claros no contrato firmado com os interessados.
Ainda segundo o Jornal Diário do Oeste, a Associação Nacional de Habitação de Interesse Social e Desenvolvimento Urbano, responsável pelo Programa Nosso Bairro, afirmou que vai responder todos os apontamentos feitos pelo MPSP e que vai recorrer da decisão.
Durante a reunião do último sábado em Adamantina – segundo o Diário do Oeste –, o prefeito Marcio Cardim (DEM) e a vereadora Dinha Santos Gil (DEM) explicaram aos presentes que nesta semana iriam se reunir com os representantes do MPSP local, a fim de buscar a orientação necessária para evitar prejuízos à população. “Ao perceber que este programa tenha algo que não é para favorecer o povo de Adamantina, vou expulsar este problema da cidade, mas enquanto isso não for provado, vamos lutar juntos por este programa", disse Márcio Cardim, ao jornal local.
Vereadores cobraram informações em julho
Na sessão da Câmara Municipal de Adamantina do dia 1º de julho, os vereadores Alcio Ikeda (Podemos), Acácio Rocha (DEM) e Hélio Santos (PR) apresentaram o Requerimento Nº 205/19, aprovado por unanimidade no plenário e direcionado ao prefeito Márcio Cardim, onde cobraram informações sobre o Programa Nosso Bairro, já que a Prefeitura tem figurado na divulgação do mesmo, desde seu início.
No Requerimento, os vereadores procuraram saber em qual modalidade se enquadra o empreendimento e se o mesmo é uma iniciativa particular, que é o agente executor responsável, se há previsão de participação do município na execução das obras de infraestrutura, se o Programa atende a legislação municipal, se já existe local definido ou pré-definido para sua implantação e onde seria possível encontrar informações sobre os detalhes e condições para as inscrições.
A resposta do prefeito Márcio Cardim se deu pelo Ofício Nº 482/2019/GAB, de 16 de julho de 2019, onde afirmou que o empreendimento se enquadra na modalidade Loteamento de Interesse Social e que no momento oportuno o Programa deverá atender toda legislação para sua aprovação, como qualquer outro loteamento.
A resposta do Prefeito afirmou ainda que a Prefeitura não irá participar das obras de infraestrutura; que o local das obras será definido pela Associação e cujas informações mais detalhadas sobre inscrições devem ser buscadas na instituição.
O Ofício informa ainda que o presidente da ANAHIS é Marcelo Roberto Augusto.
Justiça de Presidente Bernardes suspende o Programa
Atendendo a pedido apresentado pelo promotor de Justiça Gustavo Silva Tamaoki em ação civil pública, o Poder Judiciário Presidente Bernardes, com efeitos na cidade e em Emilianópolis – nos autos do Processo 1000942-69.2019.8.26.0480, que tramita na Vara única da Comarca – determinou a suspensão temporária do Programa desenvolvido nessas duas localidades pela Associação Nacional de Habitação de Interesse Social e Desenvolvimento Urbano (ANAHIS).
Segundo decisão do juiz Vinícius Peretti Giongo, lançada nos autos do processo em 22 de agosto último, o MPSP ajuizou ação civil pública de obrigação de fazer contra os municípios de Presidente Bernardes e Emilianópolis, foi concedida liminar determinando que a ANAHIS suspenda as vendas, promessas de vendas, reservas de lotes e negócios similares que envolvam o loteamento batizado de "Nosso Bairro - Lotes Urbanizados". Segundo informa o site do MPSP, o empreendimento, que fica na região de Presidente Bernardes e Emilianópolis, vem realizando parcelamento do solo urbano em total afronta à legislação.
Apresentando-se como associação destinada a realizar programa habitacional de interesse social, contrariando o Código de Defesa do Consumidor – diz o MPSP –, a entidade oferece e comercializa lotes mesmo sem aprovação do empreendimento e respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis. Além da ANAHIS e do presidente da entidade, Marcelo Roberto Augusto, a ação do MPSP tem em seu polo passivo os municípios de Emilianópolis e Presidente Bernardes.
De acordo com o apurado pela Promotoria, a ANAHIS passou a atuar em diversos municípios paulistas. Diz o site do MPSP que, aproveitando-se de relacionamento próximo com deputados, vereadores e prefeitos, a entidade tenta atrair a população, sobretudo a de baixa renda, para adesão ao programa habitacional "Nosso Bairro - Lotes Urbanizados". A proposta consiste na “aquisição coletiva de uma área bruta de terras”, em nome da própria Associação, que “será submetida à análise dos poderes constituídos para obtenção de autorização para implantação de projeto de parcelamento do solo, resultando, em caso de pleno sucesso na aprovação do projeto de instituição de loteamento de interesse social”.
O site do MPSP revelou que os interessados em participar do programa deveriam assinar uma “Declaração de Participação Coletiva de Área de Terras e Participação na Implantação de Loteamento de Interesse Social”, se comprometendo a efetuar pagamentos de boletos em favor da Associação, à vista ou de forma parcelada, com o que teriam direito à sua fração do lote. Na mesma declaração, os interessados também se comprometiam a “custear, mensalmente e ao longo de todo o período estimado de três anos de administração, o valor previsto a título de "despesas de administração", ainda que diante de pagamento à vista. O valor cobrado de cada interessado é de R$ 8.546,99, à vista ou em 27 parcelas mensais. O documento estabelece ainda que “a relação jurídica do participante com a Associação Nacional de Habitação – ANAHIS é uma relação associativa, não se tratando de relação de consumo”.
"Em virtude das facilidades prometidas à população de baixa renda, a despeito das dificuldades nem tão bem esclarecidas quando à efetiva entrega final de um lote urbanizável, as reuniões realizadas pela Associação nos municípios desta comarca e demais da região foram gradativamente ganhando centenas e, em certos casos, milhares de interessados, o que acabou por gerar desconfiança em certa parcela da sociedade", diz o promotor na ação. O membro do MPSP destaca ainda que alguns vereadores e os prefeitos de Presidente Bernardes e Emilianópolis compareceram às reuniões promovidas pela ANAHIS, com evidente intenção de ganho de capital político de maneira duvidosa.
Uma das irregularidades apontadas pela Promotoria na atuação da ANAHIS é o fato de os interessados serem atraídos pela possibilidade de aquisição de um terreno destinado a construir a casa própria. "Assim, não há falar em relação associativa entre os adquirentes, e sim em relação de consumo na qual receberam a oferta de adquirirem um terreno por valor certo e nele construírem suas respectivas moradias". Além disso, a declaração entregue pela Anahis aos interessados afirma que o atraso do pagamento implicará na substituição do associado por outro participante, o que contraria o Código Civil. Pela lei, a exclusão do associado “só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.
"Na realidade não existe contribuição associativa porque não existe associação, que é fachada pera uma empresa loteadora", afirma o promotor de Justiça.
Pela decisão judicial, a ANAHIS fica impedida ainda de realizar qualquer propaganda ou publicidade sobre o loteamento e de receber prestações ou mensalidades relativas aos lotes e previstas nos contratos/inscrições já celebrados.
Segunndo informa o site do MPSP, a ANAHIS, seu presidente e os municípios de Presidente Bernardes e Emilianópolis deverão ainda afixar aviso na entrada do imóvel informando que o loteamento projetado não pode ser executado e está paralisado por não estar aprovado e registrado. Já as quantias previamente pagas pelos interessados serão apresentadas ao Juízo para depósito em conta judicial.
Ainda de acordo com o site do MPSP, foi fixada multa de R$ 10 mil para caso de descumprimento de cada uma das obrigações.
Entidade se manifesta em sua fanpage
A Federação Nacional de Habitação de Interesse Social fez uma publicação recente em sua fanpage, no Facebook – no dia 22 de agosto – que poderia ter relação com o tema, onde afirma: “É importante mostrar o compromisso da Associação em trabalhar com a verdade, mostrando a transparência do Programa Nosso Bairro e garantindo que as famílias terão a oportunidade de conquistar o seu lote”, diz. “Estão espalhando uma mentira em várias cidades, dizendo que o Programa Nosso Bairro foi embargado, e que as pessoas perderam seu dinheiro. Isso é Fake News”, afirma. “Todas as cidades que estão participando do Programa continuam normalmente, e nunca foi embargado, pois está absolutamente conforme as leis determinam”, completa a publicação, acompanhada de vídeo.
Na data de hoje (30), a fanpage da Federação tem 902 seguidores, e não há qualquer informação detalhada sobre suas atividades. Consta apenas, como endereço físico, a Avenida Paulista, 2.494, São Paulo/SP.