A TV Fronteira exibiu nesta quarta-feira (26) o segundo episódio da série de reportagens especiais sobre a história e a situação da ferrovia na região de Presidente Prudente.
Denominada “Fora dos Trilhos”, a série, dividida em três episódios, conta como foram os tempos áureos do passado, mostra a situação dramática e de abandono do presente e busca traçar uma perspectiva para o futuro.
O primeiro episódio, intitulado “Passado: Progresso e Riqueza”, relembra qual foi a importância histórica da Estrada de Ferro Sorocabana para o desenvolvimento do Oeste Paulista.
Já a segunda reportagem, denominada “Presente: Problemas sem Soluções”, revela os prejuízos causados pelo abandono da estrada de ferro (assista ao vídeo abaixo).
Não é em todo lugar da região de Presidente Prudente que a história da ferrovia ainda tem todo o cuidado e mantém aquele charme dos tempos de ouro das estradas de ferro. Em Piquerobi, é assim. A pequena estação ainda é uma referência para os moradores, guarda muitas características originais – como o “Piqueroby” com “y” bem embaixo do logotipo da Estrada de Ferro Sorocabana – e chega até a dar saudade em muita gente.
Mas em muitos lugares não dá nem pra dizer por onde a estrada de ferro passa. O mato tomou conta de tudo – e é preciso procurar para encontrar os trilhos.
Desde que os trens deixaram de passar pelo Oeste Paulista, o abandono da malha ferroviária fez com que a natureza passasse a reivindicar de volta o espaço que já foi dela no passado. E isso é um problema para quem mora perto da linha. São constantes as reclamações – porque, onde tem mato, tem animais: insetos, ratos, aranhas, escorpiões e até cobras têm sido encontradas nos quintais de casas e comércios vizinhos à ferrovia.
A reportagem da TV Fronteira percorreu toda a extensão da ferrovia que corta o trecho urbano em Presidente Prudente e o que percebeu é que esse não é o único problema provocado por essa situação. Áreas sem vigilância, sem cercamento e com sinais claros de abandono dão margem para a prática de crimes contra a saúde pública e o meio ambiente. Em vários pontos, é possível encontrar locais de descarte irregular de lixo – e tem de tudo, em pequenas ou grandes quantidades.
Os impactos de todo esse abandono não atingem apenas a saúde e o meio ambiente. A linha férrea se tornou o cenário para um problema social e que envolve também a segurança pública.
Quem já passou pelo trecho da Avenida Tancredo Neves no cruzamento com a Rua Mendes de Morais, na Vila Brasil, já viu pessoas andando sobre o viaduto, cruzando pra lá e pra cá.
É que ao longo desse trecho urbano – que passa tão perto da região central da cidade – existem prédios e até vagões abandonados. Pouca iluminação à noite. Um ambiente que se tornou caminho para moradores de rua e usuários de drogas.
No ponto que fica bem embaixo do Viaduto Tannel Abbud, na Vila Marcondes, o cenário causa nojo e indignação. Restos de comida se misturam a roupas, lixo, embalagens de bebidas alcoólicas, cigarros e excrementos. Sinais de que tem gente que vive e que sobrevive por ali.
A Polícia Militar afirma que realiza rondas constantes na região da linha férrea – e que ela não representa aumento nas estatísticas de crimes. Mas quem vive nessa região ou passa pelo local relata que a prática de furtos, roubos e tráfico de drogas é constante.
O abandono tem efeitos também em outras cidades. Em Presidente Epitácio, a antiga Estação Ferroviária que vinha sendo ocupada por moradores de rua e usuários de drogas acabou parcialmente destruída por um incêndio.
Em Santo Anastácio, o prédio da estação, que já serviu como museu da cidade, está fechado – e sofre a ação do tempo.
E em Álvares Machado, a antiga estação também está em péssimas condições.
Em Presidente Prudente, a Estação Ferroviária, que se tornou a sede do Procon Municipal, está fechada para reformas.
Mas é a presença da linha férrea cortando a cidade que representa um problema imobiliário – uma divisão histórica entre o lado de lá e o lado de cá da linha impôs dois cenários para regiões tão próximas.
Embora tenham um mercado de locação agitado – pelo baixo custo do aluguel e pela proximidade do Centro –, os bairros voltados para a zona leste da cidade acabaram desvalorizados – uma mistura de prédios antigos, terrenos desocupados e imóveis que poderiam ter um valor comercial maior, mas acabam depreciados pela proximidade à linha.
“A gente entende que Prudente, hoje, é uma cidade ligada ao serviço. Qualquer coisa que ajude esse processo, é bem-vindo. Poderia ter um grande calçadão, poderia ter concessões novas para construções nessa região, poderia ter uma ciclovia funcionando melhor, ou mesmo um VLT [veículo leve sobre trilhos], se bem trabalhado. O problema é que, enquanto ficar desse jeito, quase toda zona leste está em um segundo plano porque virou um muro entre antes e depois do trilho. Nessa divisão, você tem as pessoas que estão do lado de lá do trilho, uma desvalorização dos imóveis, tem dificuldade com compra e venda. De alguma maneira, você segregou parte da cidade. O que antes era uma veia que trazia o desenvolvimento, hoje, é um muro que divide um lado ao outro da cidade”, explica o economista Alexandre Bertoncello.
São muitos os problemas – mas as soluções parecem distantes. As reclamações chegam às prefeituras – mas o poder público, em muitas situações, diz estar de “mãos atadas”, já que as ações que poderiam provocar mudanças efetivas sobre o trecho dependem da iniciativa e da boa vontade da empresa que hoje detém a concessão do transporte ferroviário – e que tem sede em Curitiba, no Paraná.
“São inúmeras as reclamações e são visíveis, não tem como se negar. Quando nós recebemos uma reclamação dessa, nós já sabemos o que é, sabe o porquê, sabe as causas. A Prefeitura tem suas ações de combate a isso, de atenção, de dar esse suporte ao que é possível, mas ainda falta muito, poderia ser melhorado, poderiam não existir muitas dessas reclamações, poderiam não existir muitas dessas situações que trazem esse tipo de problema. Logicamente, respeitado todo esse conceito histórico e patrimonial que nós temos referente à linha férrea, tudo que isso trouxe historicamente de benefício, mas nós precisamos ir adiante. Nós precisamos ser dinâmicos no hoje. Haja vista toda essa situação que temos passado, principalmente que nos tem feito rever conceitos e valores”, afirma o secretário municipal de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação de Presidente Prudente, Luiz Abel Gomes Brondi.
Um problema que parece não ter solução. Mas existem muitas ideias, muitos projetos, que buscam resolver essa questão. Há quem defenda a reativação do transporte de cargas… a implantação de um transporte público de passageiros… e até a retirada dos trilhos para a implantação de uma avenida. Possibilidades que podem transformar o futuro dos trilhos do Oeste Paulista.
Em nota, a Secretaria Municipal de Assistência Social de Presidente Prudente informou que faz acompanhamento semanal com as pessoas que vivem em situação de abandono nas proximidades da linha férrea. O órgão salientou ainda que oferece toda assistência necessária para esse público, mas que enfrenta uma resistência por parte dele.
A Polícia Militar, também por meio de nota, pontuou que realiza rondas constantes na região. A corporação pediu ainda o apoio da população, que pode fornecer informações para a polícia denunciando – de forma anônima – a presença de pessoas em atitude suspeita.