Estudantes de medicina mapeiam acidentes com escorpiões em Adamantina e propõem intervenções

03/08/2020 06h56 Cinco estudantes se debruçaram nos casos envolvendo escorpiões na cidade.
Redação - Acally Toledo - Informações: Siga Mais, Adamantina - SP
Estudantes de medicina mapeiam acidentes com escorpiões em Adamantina e propõem intervenções Cinco estudantes autores do trabalho, alunos do curso de medicina da UniFAI. (Foto: Acervo Pessoal)

Um grupo com cinco estudantes que atualmente cursa o 10º termo do curso de medicina do Centro Universitário de Adamantina (UniFAI) produziu no primeiro semestre deste ano um trabalho como requisito parcial para obtenção de nota no encerramento do 9º termo, onde se debruçou sobre o escorpianismo na cidade. O termo é usado para definir acidentes com escorpiões.

A investigação mobilizou os estudantes Breno Luiz Sucupira, Daniela Duarte Lima, Luis Eduardo Pereira Silva, Mirella Cristina Sakai e Rafael Assem Rezende. Além de avaliar os números de casos, o trabalho propõe medidas de intervenção para resolução desse problema de saúde pública na cidade.

Na pesquisa os estudantes apresentam dados de prevalência, incidência, fatores de risco e evolução sobre acidentes com escorpiões em Adamantina, e as situações de risco envolvidas no agravo dos pacientes picados.

Os dados foram coletados manualmente em fichas no setor de Vetores da Secretaria Municipal de Saúde, que funciona na unidade básica de saúde do bairro Cecap (onde realizaram o módulo de atenção básica do internato da UniFAI), bem como na ferramenta digital do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

Ao final do trabalho, os estudantes propõem um conjunto de ações com o objetivo de diminuir os números de acidentes ou mesmo erradicá-los, dirigidas a órgãos como Prefeitura, Câmara Municipal e Ministério Público, Santa Casa e à população em geral. Em relação à Prefeitura, as sugestões são dirigidas a diversos setores da saúde e educação. "Por tratar-se de um município com recursos escassos para tal controle e de uma população carente de informação, foi focado em intervenções de baixo custo e dentro da realidade do município", cita o texto.

Escorpião: espécies, número de casos e riscos

Segundo o estudo, os casos de acidentes com escorpiões ocorrem com frequência no Brasil, principalmente em meses quentes e chuvosos, e são potencialmente graves em crianças e idosos.

Os animais são de vida noturna e buscam locais com pouca incidência luminosa, podendo utilizar de tubulações e encanamentos de esgoto para entrar nas residências. Podem também utilizar os interiores de calçados, armários, gavetas, e outros meios para se esconder da claridade. Dessa forma, os escorpiões apresentam perigo ao ser humano, pois ao se esconder em locais impróprios, como sapatos, corre-se o risco de, no intuito de se defender, realizar o ataque.

A espécie T. serrulatus é considerada mais venenosa da América do Sul, também é a mais encontrada na região Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, devido a sua reprodução por partenogênese (tipo de reprodução assexuada, onde não precisa ocorrer a fecundação do óvulo pelo macho). A fêmea possui em média 2 partos por ano com 20 filhotes cada, tendo a maioria dos óbitos em humanos associadas a esta espécie e ocorrendo comumente em crianças menores de 14 anos. Os efeitos após a picada podem ser desde forte dor local ou evoluir em poucas horas com manifestações sistêmicas graves.

Em relação à ocorrência de casos de ataques a humanos – segundo apurado pelos estudantes – estima-se que no Brasil ocorram em média 123.126 casos por ano nos últimos 5 anos, conforme dados do DATASUS, sendo aproximadamente 25% no estado de São Paulo.

Em 2018, o estado de São Paulo registrou o maior número de acidentes com escorpiões dos últimos 30 anos, com aproximadamente 30 mil casos, com 13 mortes. Esses dados foram levantados, na pesquisa, junto ao Centro de Vigilância Epidemiológica e o DATASUS, mantendo uma ascensão desde 2012.

Já na cidade de Adamantina, foram registrados 71 casos de acidentes com escorpiões, sem nenhum óbito registrado, no ano de 2018.

Levantamento buscou dados do período de 2014 a 2020

Por meio do SINAN, que coleta e processa os dados sobre agravos de notificação em todo o território nacional, os estudantes analisaram atendimento para acidentes por animais peçonhentos ocorridos em Adamantina, no período do ano de 1 de janeiro de 2014 até o dia 10 de maio de 2020.

Também foi utilizada outra fonte para coleta e análise de dados, junto ao Departamento de Controle de Vetores de Adamantina, que através do Sistema Escorpião do SUCEN, sobre notificações de presença e retirada de escorpiões das casas do município no período de 2019 e 2020. Para coleta dos anos de 2014 a 2018 foram utilizados os dados disponibilizados manualmente pelo Departamento de Controle de Vetores de Adamantina.

Os estudantes utilizaram como critérios de exclusão as fichas de acidentes por outros animais peçonhentos, que não fossem escorpiões, e fichas com dados incompletos, como ausência da descrição do quadro clínico, espécie do escorpião envolvido no acidente, local da picada, entre outros.

Ao serem analisadas as notificações de acidentes por escorpião por ano em Adamantina, os estudantes encontraram algumas discrepâncias com relação aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 quando comparados com 2018 e 2019. "Isso se dá pelo fato de que anteriormente as notificações e ações epidemiológicas relacionadas a escorpiões não eram notificadas corretamente e não recebiam a devida importância", relatam.

O estudo descreve que, após pressão por parte da imprensa local e população, o Ministério Público e a Prefeitura de Adamantina assinaram um termo de ajustamento de conduta (TAC) visando combater os escorpiões no município de forma mais efetiva, de modo que a partir de 2018 as notificações passaram a condizer mais com a realidade, no entanto longe da perfeição.

Segundo a pesquisa, o atendimento e a notificação do acidente por animal peçonhento no município são de responsabilidade da equipe de saúde do local, a qual deve preencher uma ficha física de investigação/notificação de acidentes por animais peçonhentos. "No entanto, muitas das vezes as fichas são mal preenchidas, ou até mesmo não são feitas", observaram os estudantes. "Conforme visto durante a realização do trabalho, as fichas de notificações arquivadas no Centro Epidemiológico de Adamantina possuem vários campos em branco, como principais sintomas, região do corpo que foi a picada, profissão da pessoa picada, tempo decorrido entre a picada e o atendimento e se tiveram complicações ou não. Por outro lado, as fichas de atendimento são padronizadas pelo SINAN, entretanto, devido os erros de preenchimento e as diferenças entre os dados do sistema do SINAN e os dados coletados, acredita-se que ocorrem subnotificações, não sendo possível quantificar a proporção desta", alertam.

Durante a pesquisa foram analisados dados do banco de dados físico do Centro Epidemiológico de Adamantina, mediante a autorização do secretário de saúde do município, e ao serem comparadas as notificações físicas com as notificações lançadas no sistema SINAN no ano de 2019, foi analisada uma discrepância na alimentação do banco de dados online, pois pelo SINAN em 2019 tiveram 68 notificações, mas pelas fichas físicas foram encontradas 77 notificações de acidentes com escorpiões no município de Adamantina, conforme mostram os gráficos a seguir.

Reclamações de aparecimentos de escorpiões se reverteram em visitas domiciliares

Localizado na unidade básica de saúde do bairro CECAP, o Controle de Vetores de Adamantina forneceu aos estudantes dados dos seus serviços de controle nos últimos anos. Foram apresentadas as fichas de notificação de presença de escorpião, que são geradas a partir de reclamações dos moradores da cidade após aparecimentos de escorpiões em seus lotes/casas/estabelecimentos, e também foram apresentadas fichas de atendimento residencial a notificação, que são preenchidas após a realização das buscas no local por escorpiões pelo agentes comunitários de saúde.

Ao serem analisados, os dados mostram que todas as reclamações de aparecimentos de escorpiões se reverteram em visitas domiciliares, prestando uma boa assistência a população.

Os estudantes constataram a ocorrência de aumento discrepante de visitas domiciliares no ano de 2019, ao comparar com os anos anteriores. Segundo escrevem, essa diferença é explicada pela implementação do "Sistema Escorpião/Sucen" e a mudança na forma de realizar buscas domiciliares, que antes consistia em visitar apenas a residência da reclamação e agora passou a visitar além da casa reclamante, seus vizinhos de lado e fundo.

Segundo constataram os estudantes de medicina, a forma dos atendimentos domiciliares mudou e o setor de vetores passou a visitar quase cinco vezes mais do que a média anual, entende-se que quanto maior a ação do departamento de vetores, menor seriam os acidentes por escorpião. Logo, quando comparado o período inicial de 2020 com o período inicial de 2019, percebe-se que os números têm se reduzido. Logo percebe-se em números concretos o resultado positivo da mudança na busca realizada pelos agentes do departamento de vetores.

Meses de maior ocorrência de casos

Outro ponto pesquisado pelos estudantes se refere aos períodos do ano de maior incidência de registros de casos de picadas em humanos. O estudo evidencia que os meses que mais recebem reclamações são março, maio, novembro e dezembro. Eles reiteram que o fator climático é responsável por esses picos de reclamações. "Os meses de novembro e dezembro são meses de muita chuva e calor na cidade de Adamantina, clima preferível pelas espécies de escorpiões encontradas na cidade. Associado aos efeitos do aquecimento global, o clima em Adamantina tem ficado mais variado, mas, de um modo geral, no estado de São Paulo o período de menos chuva é entre os meses de maio e setembro, período no qual avalia-se uma redução nas reclamações", pontuam.

Faixa etária das vítimas mais acometidas com picadas de escorpiões

Ainda de acordo com o estudo, a faixa etária do paciente é um fator importante do quadro clínico após a ocorrência do acidente com escorpião, tendo em vista que até os 10 anos de idade apresenta-se maiores riscos de complicações. Através dos dados coletados nas fichas físicas de notificações de acidentes com escorpiões, os estudantes analisaram as faixas etárias dos pacientes notificados em Adamantina. Foram colocados os dados de 2020 como uma forma de ilustrar e comparar com os mesmos períodos dos anos seguintes.

Ao se analisar os dados locais, os estudantes constataram que pessoas acima dos 60 anos são as mais acometidas, seguidas pela faixa dos 40 aos 60 e pelas crianças. "A idade é um ponto importante para ser levado em conta, visto que ela está ligada a uma maior ou menor chance de gravidade", observam. A faixa etária dos 0 aos 10 anos incompletos foi a que mais precisou de soroterapia com SAEEs (soro antiescorpiônico). Dos tratamentos com SAEEs durante os últimos 2 anos e meio, as crianças representam cerca de 64%.

Mapeamento da cidade

Além dos dados dos pacientes, os estudantes coletaram também o mapeando da cidade de Adamantina, no qual possui regiões que apresentam menor e maior incidência do aparecimento e acidente por escorpião. Para ilustrar isso, o departamento de controle de vetores monta anualmente um mapa da cidade, a partir das ocorrências registradas pelos mesmos.

Com objetivo de deixar os números mais evidentes por bairro e para levantar características mais especificas das regiões de ocorrência de escorpião, os estudantes realizaram um levantamento de casos de acordo com o bairro de acontecimento, de 2018 até maio de 2020. "É importante ressaltar a intima relação existente entres os bairros de maior incidência e suas características socioeconômicas e ambientais", destacam. "Os bairros que são vizinhos de córregos, apresentam alta incidência de presença de escorpião, principalmente pelo fato que os córregos possuem acumulo de lixo e entulho deixados pela população. Bairros com característica socioeconômica mais prejudicados, possuem maiores chances de acontecerem acidentes com escorpiões".

 

A atenção à vítima picada por escorpião

Em outro momento do trabalho, os estudantes se dedicaram a descrever aspectos da toxidade do veneno do escorpião e aspectos ligados ao quadro clínico dos pacientes, detalhando manifestações locais e sistêmicas, conduta profissional aplicada aos casos e tratamento.

Em casos de acidentes moderados, além da dor intensa local, há a associação com sudorese, náusea, vômitos, taquicardia e hipertensão. Já os acidentes graves possuem, além dos sintomas já descritos, apresenta manifestações neurológicas, como miose ou midríase, hipersecreção, priapismo, agitação ou exaustão, bradicardia, insuficiência cardíaca, coma, convulsão, edema agudo de pulmão e choque.

Mesmo com falhas, melhoram as ações nos últimos anos

Os estudantes constataram que os números de notificações nos meses analisados dos anos de 2018 a 2020 são muito significativos quando comparado aos números de anos anteriores, devendo-se isso ao fato da atuação conjunta entre a Prefeitura de Adamantina, Departamento de Controle de Vetores de Adamantina, Departamento de Vigilância Epidemiológica de Adamantina e Ministério Público, que adequaram a forma com a qual as notificações são realizadas no município.

Porém, há pontos falhos observados ao final do estudo. "Tal melhora a respeito do assunto não condiz ainda com a "perfeição" por assim dizer, pois há falhas na comunicação e registro de dados entre as fichas físicas preenchidas pela equipe médica responsável pelo atendimento da vítima e o SINAN, o que não têm permitido o registro correto de casos totais", alerta o estudo.

Os estudantes destaca ainda o melhor desempenho das equipes responsáveis pelo combate ao escorpião, tendo em vista que houve um aumento no número de visitas domiciliares nos anos de 2018 e principalmente 2019, sendo esta melhoria reflexo da ação do SUCEN na mudança de abordagem da equipe, que passou a agir no local da notificação e em seus arredores. "Resultado disso, podemos destacar o ano vigente (2020) em que após a melhora das medidas adotadas nos anos anteriores, destacou-se uma redução considerável no número de casos notificados (janeiro, fevereiro, março)".

Ao final, os estudantes ressaltam que, apesar de estar longe do ideal, o combate aos escorpiões no município de Adamantina tem se apresentado muito eficaz quando as medidas são tomadas em conjunto, cabendo à Prefeitura de Adamantina, ao Departamento de Controle de Vetores, o Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretário da Educação, Secretário da Saúde, aos Postos de Saúde, à Santa Casa, aos vereadores, ao Ministério Público (quando necessário), e à própria população trabalharem juntos no combate aos escorpiões, conscientização das medidas de proteção e orientações gerais em caso de ocorrência de acidentes.

Medidas de intervenção propostas

1) Município:

- Cumprir as condições do termo de ajustamento firmado com o ministério público;

- Realizar/intensificar mutirões de limpeza, tanto de garis, quanto de grandes entulhos;

- Gerir e disponibilizar investimentos para melhorar os órgãos como vetores, vigilância epidemiológica e secretarias, que auxiliam no combate ao vetor principal (escorpião);

- Realizar a manutenção de redes fluviais, tais como a limpezas, coleta de lixo e corte de matos/gramas;

- Colocar em prática as propostas de ações para o controle de escorpiões e vetores apresentadas pelo Departamento de Controle de Vetores e Secretária de Saúde de Adamantina.

2) Departamento de Controle de Vetores:

- Aplicar a Lei Municipal 3.415 de 30 de junho de 2010, na qual manterá lotes e casas limpos e punirá financeiramente os infratores que desobedeçam tal lei;

- Realizar atendimentos domiciliares, com o intuito de ajudar e informar a população;

- Manter dados do SUCEN/Sistema escorpião sempre atualizados, assim guiará estudo de ações e necessidades de cada bairro da cidade.

3) Vigilância Epidemiológica do Município:

- Exigir uma notificação nos moldes adequados, com todos os dados preenchidos por completo;

- Alimentar o SINAN adequadamente para ter indicadores que sirvam de guia em novas ações e estudos.

4) Secretaria Municipal de Educação:

- Divulgar informações relativas ao controle de escorpiões. Unidades escolares localizadas em áreas-alvo para controle de escorpião ou nas suas imediações podem ser parceiras e ponto de partida de ações educativas que permitam à população adotar práticas e medidas que impeçam a instalação e a proliferação desses animais, potencializando, assim, as ações já desenvolvidas pela Secretaria da Saúde nesse âmbito.

5) Santa Casa de Adamantina:

- Criar e estabelecer um protocolo de atendimento e tratamento para acidentes com animais peçonhentos;

- Notificar todos os casos de acidentes por animais peçonhentos de forma completa e correta;

- Disponibilizar e capacitar a assistência médica para melhor atender a população.

6) Postos de Saúde:

- Fazer valer a íntima relação existente entre população e os agentes comunitários, disseminando informações e campanhas contra o escorpião através destes;

- Intensificar ações de educação a população e promoção a saúde.

7) Vereadores:

- Fiscalizar a aplicação das ações da prefeitura e seus órgãos associados;

- Realizar e cobrar melhorias em bairros, que gerem a eliminação de possíveis focos, através de novos projetos e leis aplicadas em conjunto com a prefeitura municipal;

- Propor projetos de educação a favor da saúde.

8) Ministério Público:

- Fiscalizar a aplicação do termo de ajustamento de conduta, firmado entre o ministério público e a prefeitura.

9) População Adamantinense:

- Seguir as orientações disponibilizadas pelos centros de saúde, médicos, agentes comunitários, etc;

- Manter sua casa limpa e sem entulho, eliminando fontes de alimentos e abrigos para os escorpiões;

- Evitar o uso de queimadas, inseticidas não recomendados pelos agentes comunitários, ou outros meios próprios de eliminação do vetor;

- Fazer uso de tela de proteção nos ralos da casa, assim como protetor de portas e janelas.

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