O juiz da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Presidente Prudente, Darci Lopes Beraldo, concedeu na manhã desta quinta-feira (27) uma liminar que obriga o Estado a transferir pacientes que estejam em unidades de saúde de emergência e urgência, como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Pronto Atendimentos (PAs) ou Pronto-socorros, para atendimento em hospital.
De acordo com a decisão judicial, a liminar deverá ser cumprida no prazo de dez dias, tempo que o magistrado considera suficiente para que o Estado se prepare para a obediência da obrigação.
Para o caso de eventual desobediência da ordem, o juiz estipulou uma multa de R$ 1 mil, por hora de atraso, sem prejuízo de apuração de responsabilidade civil, administrativa e penal, de quem encarregado do cumprimento da obrigação.
A liminar determina que, quando for identificada pelo médico regulador a existência de paciente em unidades de emergência e urgência que necessite ser transferido para atendimento em hospital e se não existir vaga, o Estado fica obrigado a levá-lo, "com segurança", para um hospital de outro Departamento Regional de Saúde (DRS) ou para um hospital privado na região do DRS sediado em Presidente Prudente, mediante compra ou requisição de vaga.
Também na liminar, o juiz manda citar a Fazenda Pública do Estado de São Paulo para que apresente contestação, no prazo de 30 dias, sob pena de se presumirem verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo Ministério Público Estadual (MPE) em uma ação civil pública que resultou na medida judicial concedida nesta quinta-feira (27).
Na ação, a Promotoria expõe que existe uma estrutura insuficiente no Hospital Regional (HR), em Presidente Prudente, para a demanda da região, dizendo que a deficiência persiste mesmo considerando as referências primárias ou secundárias atribuídas às Santas Casas de municípios do Oeste Paulista.
"É possível a concessão da tutela de urgência, sem observância da oitiva prévia da parte contrária, em razão da urgência da situação", afirma Beraldo.
"Diz a questão sobre saúde, vida, portanto urgente na essência, sendo certo que a dia que se passar um dano irreparável possa advir", salienta o magistrado.
"Repisando, trata-se, o objeto desta ação, de atendimento à saúde, de preservação à vida, portanto excepcional, urgente por natureza", enfatiza.
Beraldo cita na liminar o relato do MPE segundo o qual o HR recebe a demanda da região e é “porta aberta”, sem necessidade de encaminhamento pela Central de Regulação e Oferta de Serviços de Saúde (Cross), para os municípios de Alfredo Marcondes, Estrela do Norte, Narandiba, Sandovalina, Santo Expedito e Tarabai. Para as especialidades de pediatria e obstetrícia, a unidade é referência direta para todos os 45 municípios vinculados ao DRS de Presidente Prudente. Fora dessas hipóteses e para as situações em que os pacientes procuram diretamente o hospital, o acesso ao atendimento pelo HR se dá através da regulação médica, que é feita pela Cross, inclusive, para urgências.
A liminar ressalta que, conforme apontado pelo MPE, a estrutura física do HR é insuficiente para a demanda da região.
A Promotoria cita que o Hospital Regional convive com déficit de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de enfermaria e atendimento em pronto-socorro, o que conduz para a privação do cidadão ao acesso ao tratamento ou a um atendimento intempestivo, com risco de morte ou de agravamento da doença.
"A ação está muito bem instruída, com fartos dados sobre a alegada deficiência e insuficiência de recursos e estrutura frente à demanda regional", observa o juiz.
O magistrado relata que a Promotoria apresenta um histórico de fichas da Cross de falta de vagas em UTI e enfermaria, bem como outros motivos de recusa, desde 2018, além de informações prestadas por direções de UPAs de muitos pacientes que ficaram aguardando por mais de 24 horas transferências para internações.
O MPE sustenta que, além de recusas ou deferimentos tardios, a falta de estrutura para atender toda a demanda da região, por ser hospital de referência, gerou a indigna colocação dos pacientes nos corredores do HR, em denominados “leitos em corredores” ou “leito em solo”, sendo atendidos em macas nos corredores.
Em uma vistoria realizada no HR em outubro do ano passado, o MPE constatou que 27 pacientes estavam sendo atendidos nos corredores e 24 aguardavam análise de pedido de ingresso pela Cross.
A Promotoria também sustenta a ação com informações de que pacientes permanecem em unidades de emergência e urgência por tempo superior a 24 horas, conforme dados prestados pelo DRS. Além disso, reporta vários casos de aguardo de transferência acima de 48 horas, com mortes dos pacientes antes da consumação da remoção solicitada. O documento relata oito óbitos.
"É fato!", sintetiza o juiz.
Beraldo aponta na liminar que é "flagrante" o não atendimento de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) segundo a qual o tempo máximo de permanência dos pacientes nos serviços hospitalares de emergência e urgência será de 24h, após o qual deverão ter alta, ser internados ou transferidos. Ainda conforme a mesma norma citada pelo juiz, "fica proibida a internação de pacientes nos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência”.
Segundo a liminar, o Hospital Regional informou que somente no mês de junho de 2019 foram recebidos 97 pacientes pelo mecanismo chamado de “cota zero” e que apenas dez deles vieram em “não conformidade”, pelo que a remoção era imprescindível para 87 pessoas.
Pelo expediente denominado “vaga zero”, instituído por uma portaria do Ministério da Saúde, a Cross encaminha o paciente para o hospital de referência mesmo não tendo vaga, um recurso essencial para garantir acesso imediato às pessoas com risco de morte ou sofrimento intenso.
O juiz observa que essa situação já se mostrava antes da pandemia da Covid-19.
Beraldo também cita na liminar a informação de que dez novos leitos de UTI foram inaugurados no HR em março de 2020, mas, diante da pandemia do novo coronavírus, acabaram destinados exclusivamente ao enfrentamento da Covid-19.
O juiz considera que o pedido de providência liminar feito pelo MPE está "muito bem instruído, calcado em fatos", e que, "a cada dia de manutenção dessa situação corre-se o risco de danos irreparáveis para o paciente, com risco de morte, conforme objetivos casos apontados na ação".
"Vários fatores, concretamente apontados pelo Ministério Público, num minucioso trabalho, convergem para a adoção da medida liminar postulada, como de aglomeração de leitos em corredores e pelo tempo de espera de pacientes para inserção, com registros de óbitos", argumenta Beraldo.
"Os termos postulados, da liminar, são básicos, de atendimento primário do Estado. Em não existindo vaga no Hospital Regional, deve o Estado transferir o paciente, com segurança, para Hospital de outra Regional de Saúde ou para hospital privado. Isso é básico, repito, primário", enfatiza.
O magistrado reforça que "o que se busca atingir com o pedido liminar é tão-somente a preservação de um atendimento eficaz à saúde, amparado na legislação, no plano Constitucional e infraconstitucional".
"E nem se alegue que a medida implica em vincular outra região e, por conseguinte, sair da esfera da competência jurisdicional deste Juízo. A decisão diz respeito à regulação do atendimento do Hospital Regional local, à sua capacidade, com fulcro na Constituição Federal e legislação ordinária, com opção do requerido Estado de se servir, em momento emergencial e transitório, da rede privada, como da Santa Casa local. E se a decisão, por reflexo, atingir outra região, o será indireta e eventualmente (há opção do requerido Estado), a não comprometer a competência jurisdicional", argumenta Beraldo.
Estado
Em nota ao G1, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo informou nesta quinta-feira (27) que foi notificada e prestará todos os esclarecimentos ao Ministério Público.
"A pasta tem se dedicado à ampliação da rede pública de saúde e enfrentamento à pandemia de Covid-19, em conjunto com os municípios e gestores de saúde", salientou.
Segundo a nota encaminhada ao G1, a habilitação de leitos de UTI é responsabilidade do Ministério da Saúde e a secretaria estadual solicitou ao órgão a habilitação de 65 leitos de UTI para a região de Presidente Prudente. O órgão estadual enfatizou que "tem cobrado o governo federal para agilidade na habilitação destes e outros leitos no SUS [Sistema Único de Saúde] em SP" e que, "até o momento, o Ministério da Saúde não habilitou nenhum leito na região".
De acordo com a secretaria, o DRS de Presidente Prudente, que engloba 45 municípios, conta com 184 leitos de UTI no SUS, sendo que 114 foram destinados para o atendimento de casos de Covid-19.
"A taxa de ocupação de leitos de UTI é de 69,4%. Portanto, há condições de assistir os pacientes", pontuou.
"Além disso, o Governo do Estado já destinou 56 novos respiradores para a região de Presidente Prudente. Houve ainda repasse de mais de R$ 300 milhões aos municípios para auxiliar no enfrentamento à Covid-19. Para a região de Prudente, o valor total destinado foi de R$ 3,8 milhões para fortalecimento da rede assistencial para atendimento a pacientes com a doença", informou.
"Cabe acrescentar que a pasta mantém esquema especial de gestão de leitos hospitalares, para dar prioridade à internação de pacientes com quadros respiratórios agudos e graves. Além disso, há suporte da Cross (Central de Regulação e Oferta de Serviços de Saúde), caso qualquer paciente precise ser transferido a unidade que possua recursos específicos, não disponíveis no serviço de origem do atendimento", concluiu.
Ministério da Saúde
O G1 também solicitou um posicionamento oficial do Ministério da Saúde sobre o assunto, mas não recebeu resposta até o momento desta publicação.
À TV Fronteira, o Ministério da Saúde informou que não existem pedidos de habilitação para leitos de UTI para Covid-19. Além disso, o órgão ainda pontuou que Presidente Prudente conta com 54 leitos de UTI habilitados.